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Ciranda Musical

Neste espaço, compartilhamos a escuta e interpretação simbólica desta arte que nos toca em todos os sentidos!

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LABOUR Paris Paloma é cantora, compositora e guitarrista inglesa. Está com 25 anos e 'Labour" é uma perfeita apresentação de sua potência! Ao descrever o papel da mulher no patriarcado, Paris Paloma com grande sensibilidade faz denúncias importantes através de sua arte. O clipe da música, com seu cenário medieval, traz a mensagem da desigualdade de gênero onde perpetua-se o inadequado, o violento, o abusivo. Cada linha da música destaca muito bem isso! Século XXI e gerações infinitas de mulheres atravessaram a mesma sina: servir para que o homem seja sustentado em suas necessidades. Quantos gritos transgeracionais, nós, mulheres, carregamos na garganta? Bisavós, avós, mães, tias, primas, irmãs, amigas...quantas mulheres vocês conheceram - e ainda conhecem - que fazem de suas vidas uma extensão desta história? Quantas mulheres com sonhos anulados, desejos silenciados, mantêm-se distante de Si e são levadas à exaustão emocional e física, em nome de uma estrutura que não traz a nenhuma delas um espaço de liberdade e igualdade? Percebo que as gerações atuais chegam, minimamente, com mais espaço para essas discussões que, lentamente, vão se abrindo. Compreendo também que o caminho não seja o da criação de novos extremismos, mas, sjm, o de conscientização entre todas as partes envolvidas nas relações. Não sei quanto tempo levará até que a humanidade esteja, efetivamente, configurada em um novo sistema social e cultural, mas sei que cada construção é relevante! Toda pessoa, independentemente de gênero, que consegue romper o fluxo da reprodução do machismo opressor e passa a questionar o quão repressor é este sistema, torna-se alguém com capacidade efetiva de transformação. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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MÁSCARA 'Máscara', lançada em 2003 pela potente Pitty, é um convite riquíssimo à individuação! Quem é você fora da Persona? Na sociedade que vivemos, você pode ser você? Ou tem que se adequar a todos os padrões impostos, não só de comportamento mas, principalmente, estéticos? Quem é você sem filtro? Mulher: você pode não ser 'bonitinha' ? Você consegue sair de 'cara limpa'? Homem: Você pode ser sensível? Se emocionar? Dizer ao amigo que o ama? Esta música da Pitty me soa como um verdadeiro hino à autenticidade! 'Máscara', lançada em 2003 pela potente Pitty, é um convite riquíssimo à individuação! Quem é você fora da Persona? Na sociedade que vivemos, você pode ser você? Ou tem que se adequar a todos os padrões impostos, não só de comportamento mas, principalmente, estéticos? Quem é você sem filtro? Mulher: você pode não ser 'bonitinha' ? Você consegue sair de 'cara limpa'? Homem: Você pode ser sensível? Se emocionar? Dizer ao amigo que o ama? Esta música da Pitty me soa como um verdadeiro hino à autenticidade! Será que temos liberdade de mostrar nossas singularidades? Ou a padronização impõe baixa autoestima para favorecer uma sociedade de consumo? Se não há um despir-se da Persona, como reconhecer a Sombra? E se a Sombra não é considerada, onde fica a integridade psíquica? Neste sentido, Pitty faz uma crítica à normatividade opressora e traz na música um grito de rebeldia: Ninguém merece ser só mais um bonitinho/ Nem transparecer, consciente, inconsequente/ Sem se preocupar em ser adulto ou criança/ O importante é ser você/ Mesmo que seja estranho, seja você/ Mesmo que seja bizarro, bizarro, bizarro Um grito rebelde de desconstrução do ideal normativo, valorizando a individualidade do Ser e priorizando, assim, sua autenticidade. Desta forma, há maior abertura do indivíduo para relacionar-se com o Self. Meu cabelo não é igual/ A sua roupa não é igual/ Ao meu tamanho, não é igual/ Ao seu caráter, não é igual/ Não é igual, não é igual, não é igual E me parece que ela reconhece os frutos rasos que a performance da persona pode trazer, mas não está se importando com isso: And I had enough of it/ But I don't care/I had enough of it/ But I don't care A normatização dos comportamentos e a padronização dos corpos continuam sendo grandes vilões que afastam a pessoa de sua identidade, sua auto valorização, impedindo um olhar de aceitação e amorosidade para o próprio espelho. De maneira precoce, o ser humano se distancia de sua alma, perde sua originalidade, desconhece sua beleza; pouco desenvolve sua potência criativa e construtiva. Concluindo, esta música da Pitty me parece atuar, também, como uma imagem de libertação psíquica! Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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ENREDO DO MEU SAMBA Esta música foi composta em 1983 por duas das maiores expressões do samba brasileiro, que é D. Ivone Lara e Jorge Aragão, e a considero uma das poesias mais lindas do samba! Dentro da riqueza interpretativa que a arte e a poesia nos possibilita, sinto este samba como uma bela confissão de quem reconhece o quão foi incapaz de corresponder ao que poderia ter sido uma profunda experiência amorosa. Já no início, o eu lírico admite que viveu a experiência amorosa, com tudo o que lhe foi oferecido, de maneira intensa, porém, efêmera...como um fósforo que se acende, logo queima e apaga! 'Não entendi o enredo desse samba, amor Já desfilei na passarela do teu coração/ Gastei a subvenção/ Do amor que você me entregou' E, ao que tudo indica, a pessoa que estava se entregando e acreditando nesta relação conseguiu - felizmente! - se priorizar e recolher esta entrega. Passei pro segundo grupo e com razão' Logo em seguida vem a justificativa de alguém que reconhece não ter se envolvido profundamente e que aproveitou, apenas, superficialmente esta experiência de amor. Fez bonito na aparência, mas na harmonia - que é o quesito da integração e sincronia da escola de samba - não desempenhou! 'Meu coração Carnavalesco não foi mais que o adereço/ Teve um dez na fantasia/ Mas perdeu em harmonia/ Sei que atravessei um mar de alegorias/ Desclassifiquei o amor de tantas alegrias' E, como geralmente acontece quando limites são colocados, as idealizações foram rompidas e parte das projeções, recolhida. Passada a ilusão , no momento da apuração - de sua reflexão, torna-se mais consciente da oportunidade perdida e só resta lamentar e admitir sua perda. 'Agora sei/ Desfilei sob aplausos da ilusão/ E hoje tenho esse samba de amor por comissão/ Finda o carnaval/ Nas cinzas pude perceber/ Na apuração perdi você/ Na apuração perdi você ' E assim, esta beleza poética em forma de samba, expressa e nos afeta em recordações, identificações e emoções vividas no campo dos encontros e desencontros amorosos, que compõe as histórias e o imaginário coletivo! Até a próxima! Karina Lopes Cabral

NÃO VÁ EMBORA 'Não Vá Embora' foi lançada em 2000 e me inspira as clássicas músicas de amor próprio - as que eu costumo chamar de 'músicas para o espelho'. A simplicidade da letra não diminui a intensidade do encontro que surge entre o Eu e a pessoa amada. Numa leitura simbólica, aprofundo este encontro apaixonado como a Consciência do Eu relacionando-se com o Self. Quando estamos em desconexão com a própria intimidade, podemos transitar por diversos lugares, encontrar várias pessoas, mas nada parece agradar, satisfazer, preencher. A dinâmica da vida se limita à rotina, ao raso, ao indiferente. Me parece esta, a situação do eu lírico da música. Mas eis que, no meio desta dinâmica sem graça, surge o encontro inesperado, a surpresa de uma companhia apaixonante. A vida que parecia sem sentido, volta a brilhar! "E no meio de tanta gente, eu encontrei você / Entre tanta gente chata, sem nenhuma graça, você veio / E eu que pensava que não ia me apaixonar / Nunca mais na vida" Um encontro fulminante que compreendo como um alívio quando algo nesta intimidade volta a fazer sentido. Quando estamos num processo de individuação, por mais que ele não seja idealizado ou romantizado, há uma percepção de composição de Si. Estabelece-se uma interação da pessoa, com este outro Eu que também lhe pertence: um Eu mais profundo, mais amplo e misterioso para o ego, mas que está lá e não abandona, pelo contrário: é abandonado pelo ego, quando este não aceita que não é o único regente da Psique. E esta interação pode ser uma perspectiva identificada nos próximos trechos da música: "Eu podia ficar feio, só, perdido / Mas com você eu fico muito mais bonito, mais esperto / E podia estar tudo agora dando errado pra mim / Mas com você dá certo ... Eu podia estar perdido, caído por aí / Mas com você eu fico muito mais feliz, mais desperto / Eu podia estar agora sem você / Mas eu não quero, não quero' Quando a pessoa está envolvida em sua jornada íntima e reconhece a beleza deste despertar para Si, a dinâmica psíquica toma um rumo mais promissor. A energia psíquica é canalizada de maneira efetiva a favor do desenvolvimento individual, o que possibilita a vivência de relações amorosas mais verdadeiras, menos idealizadas. Ao permanecer nesta imagem simbólica de amor próprio, acho bonito o apelo que aparece no trecho: "Por isso, não vá embora Por isso, não me deixe nunca, nunca mais Por isso, não vá, não vá embora Por isso, não me deixe nunca, nunca mais" A relação entre a Consciência do Eu e o Self não é passageira, é duradoura. O Ego não precisaria fazer este apelo se estivesse seguro que o amor que traz presença e garantias, não vem de fora: é encontrado e cultivado dentro. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

SE EU QUISER FALAR COM DEUS Esta música composta por Gilberto Gil em 1981 é uma bela e profunda expressão da possibilidade de acesso ao Divino. Compreendo que, antes de tudo, a experiência divina acontece a partir de um desejo, não de uma obrigação. Qualquer encargo com a imagem de Deus me pressupõe uma imposição religiosa que distancia a pessoa da descoberta de Si, reforçando o conceito de Deus como uma imagem antropomórfica. Entrar em contato com Deus, é aceitar que nesta experiência, não há nenhum tipo de controle! Por isto o silêncio pode ser considerada a primeira chave de acesso: um silenciar do mundo externo, do próprio corpo e pensamentos...a permissão de adentrar em espaços, primeiramente obscuros, desconhecidos, onde a materialidade não é protagonista, pois o que se busca não tem a mesma densidade. "Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que ficar a sós/ Tenho que apagar a luz/ Tenho que calar a voz/ Tenho que encontrar a paz/ Tenho que folgar os nós/ Dos sapatos, da gravata/ Dos desejos, dos receios/ Tenho que esquecer a data/ Tenho que perder a conta/ Tenho que ter mãos vazias/ Ter a alma e o corpo nus Atravessar este portal escuro, que foge do controle egoico, é um dos maiores desafios das almas que buscam o encontro com o Divino, pois as travessias da alma humana geralmente envolvem passagens pelo submundo. Considero esta, uma das grandes diferenças em viver a experiência com o Sagrado fora das imposições dogmáticas que, geralmente, renegam a participação dos conteúdos sombrios, como elementos fundamentais do processo de transcendência ao numinoso. Como bem expressa Gil: Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que aceitar a dor/ Tenho que comer o pão/ Que o diabo amassou/ Tenho que virar um cão/ Tenho que lamber o chão/ Dos palácios, dos castelos/ Suntuosos do meu sonho/ Tenho que me ver tristonho/ Tenho que me achar medonho/ E apesar de um mal tamanho/Alegrar meu coração Ou seja, se quero conversar com Deus, tenho que dialogar com meus demônios também, pois a relação com o Divino não se estabelece de forma idealizada; aproximar-nos do Diabo não é proibido, não é pecado, pelo contrário: é um movimento natural e necessário a quem busca contato com esta Supraconsciência. Um diálogo que pede sacrifício, em alguns momentos. E, de maneira distorcida, este sacrifício muitas vezes é compreendido como punição, expiação ou castigo divino. Perde-se a profundidade do 'Sacro Ofício' enquanto um ato sagrado. Desta forma, fica difícil alegrar o coração, como diz Gil em sua composição. Compreendo a relação com o Divino como um ato de Amor. A imagem de Deus pai/mãe como uma regência maior que nos impulsiona ao encontro com o melhor que alcançamos em nós, a cada momento, a cada etapa de vida, não depende de validação externa. Depende muito mais da coragem de sair do controle de absolutamente tudo que a racionalidade supõe como certo e seguro para mergulhar no abismo indefinido de um mar profundo que é nosso universo particular. O que vamos encontrar? Não sei... o divino revelará! 'Se eu quiser falar com Deus' preciso me reconhecer como centelha divina, fechar os olhos e confiar! E isto independe de dia, hora e lugar, ou como, a imagem de Deus, cada um quer nomear. Se eu quiser falar com Deus/ Tenho que me aventurar/ Tenho que subir aos céus/ Sem cordas pra segurar/ Tenho que dizer adeus/ Dar as costas, caminhar/ Decidido, pela estrada/ Que ao findar, vai dar em nada/ Nada, nada, nada, nada / Nada, nada, nada, nada/ Nada, nada, nada, nada/ Do que eu pensava encontrar Até a próxima! Karina Lopes Cabral

QUASE SEM QUERER Um dos maiores clássicos da Legião Urbana, lançado em 1986, me inspira imagens simbólicas de uma conversa confessional do Eu com a própria intimidade. Viajo na perspectiva de um Eu que transitou pela vida, cruzou vales confusos e sombrios até encontrar este 'Outro em Si", este 'Eu Interno' que está sempre disposto a dialogar, mas que quase sempre é negligenciado quando acreditamos que diálogo só se estabelece com alguém de fora. Na linguagem da psicologia analítica, compreende-se como o estrutural diálogo entre a Consciência do Eu e o Self. A partir deste encontro, o Eu se apresenta na música de forma confessional, apresentando suas fragilidades, mas sentindo-se diferente por ter aberto um diálogo íntimo que lhe faz muito mais sentido. Quanta libertação ao romper com a culpa de ter que provar algo para alguém, ou depender da aprovação de quem quer que seja! (Tenho andado distraído / Impaciente e indeciso / E ainda estou confuso / Só que agora é diferente / Estou tão tranquilo e tão contente) Ao perceber que este 'Eu interior' (Self) está presente e atua sempre a favor do Eu, há um resgate da comunicação consigo, abrindo novas percepções, compreensões e possibilidades de relacionar-se com a vida, além do reconhecimento do quão destruído esteve, enquanto não reconhecia a importância de escutar-se, mantendo-se afastado desta relação Sagrada consigo. (Quantas chances desperdicei / Quando o que eu mais queria / Era provar pra todo o mundo / Que eu não precisava provar / nada pra ninguém Me fiz em mil pedaços /Pra você juntar / E queria sempre achar explicação pro que eu sentia / Como um anjo caído / Fiz questão de esquecer / Que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira) Quando a pessoa se resgata desta forma, naturalmente há um amadurecimento, pois o Ego deixa de ser o imperador, que domina e se julga sabedor de todas as coisas e passa a ser a Consciência conciliadora que ajuda na integração dos opostos. (Mas não sou mais / Tão criança / A ponto de saber tudo) Uma dinâmica íntima, subjetiva, individual, que por mais que se explique, não será compreendida por quem não trilha o caminho. Porém, isso não mais importa! A pessoa se resgata, se entrega e confia no processo, regido agora, por este 'Eu Maior' que o habita. (Já não me preocupo se eu não sei por que /Às vezes, o que eu vejo , quase ninguém vê /E eu sei que você sabe, quase sem querer / Que eu vejo o mesmo que você) Confiança esta, que revela beleza, apesar das dores, perdas e desafios, porque no processo de individuação a jornada acontece em movimentos cíclicos e as questões são vistas e revistas, buscando sempre a ampliação destes conteúdos como forma de estruturação. Não é uma linha de chegada a ser cruzada e sim um caminho infinito e justo de autodescoberta. (Tão correto e tão bonito /O infinito é realmente / Um dos deuses mais lindos / Sei que, às vezes, uso / Palavras repetidas / Mas quais são as palavras / Que nunca são ditas?) Na música, o Eu ainda reconhece a negligência praticada contra Si, se desculpa e percebe o quanto o amor próprio é fundamental para que a jornada aconteça. (Me disseram que você / Estava chorando / E foi então que eu percebi / Como lhe quero tanto) Concluindo minha viagem contemplativa por esta música, considero o título 'Quase Sem Querer' muito adequado para o movimento que ocorre quando nos reconhecemos nesta jornada. Dificilmente ela acontece por uma vontade discriminada pelo Ego: acontece, 'quase sem querer', pelas demandas inconscientes que nos impulsionam ao que é verdade, em nós. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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PRA TODAS AS MULHERES A potente expressão de Mariana Nolasco evidenciando com sensibilidade e sutileza um grito de união, reconhecimento e valorização do feminino. Não cabe mais a sujeição patriarcal que acaba com a Natureza - em todos os níveis possíveis de destruição! Que nada, nem ninguém, nos calem! Essa é uma representação para o dia 08 de Março. "Abafaram nossa voz Mas se esqueceram de que não estamos sós Abafaram nossa voz Mas se esqueceram de que não estamos sós Essa vai Pra todas as mulheres Marianas, índias, brancas Negras, pardas, indianas Essa vai pra você que sentiu aí no peito O quanto é essencial ter no mínimo respeito Essa dor é secular e em algum momento a de curar Diga sim para o fim de uma era irracional, patriarcal Abafaram nossa voz Mas se esqueceram de que não estamos sós Abafaram nossa voz Mas se esqueceram de que não estamos sós Então eu canto pra que em todo canto Encanto de ser livre, de falar Possa chegar, não mais calar Então eu canto pra que em todo canto Encanto de ser livre, de falar Possa chegar, não mais calar Abafaram nossa voz Mas se esqueceram de que não estamos sós Abafaram nossa voz Mas se esqueceram de que não estamos sós Então eu canto pra que em todo canto Encanto de ser livre, de falar Possa chegar, não mais calar Então eu canto pra que em todo canto Encanto de ser livre, de falar Possa chegar, não mais calar" Até a próxima! Karina Lopes Cabral

TRISTEZA (Nilton de Souza / Haroldo Lobo) "Tristeza, Por favor, vá embora Minha alma que chora Está vendo o meu fim Fez do meu coração a sua moradia Já é demais o meu penar Quero voltar àquela vida de alegria Quero de novo cantar" 'Tristeza', um dos maiores clássicos do Samba, composto em 1963 e eternizado na voz de Beth Carvalho, faz parte da alma carnavalesca do nosso povo. Uma letra, aparentemente, simples que com sua melodia delicada penetra as camadas mais profunda e exala sensibilidade! Pode ser sentida como um lamento, um rogo, uma oração - um sentimento expresso de uma alma dolorida, cansada do desgaste de uma pena arrastada, sabe-se lá, há quanto tempo! O Eu lírico também revela que, em algum momento, a alegria já fez parte de sua história e evoca um pedido sincero para que a tristeza se afrouxe, se dilua e permita que a alegria de viver e cantar seja resgatada. Sem dúvida, um enfrentamento doloroso com a própria intimidade. Recuperar um condição emocional que já foi experimentada em outros tempos, mas encontra-se sufocada por um estado depressivo, exige do indivíduo um mergulho profundo ao mundo das sombras, na tentativa de identificação das brechas que foram se abrindo ao longo da trajetória, até ocupar lugar de destaque no coração. Como um bom samba e através de uma bela melodia, 'Tristeza' evidencia a postura resiliente e esperançosa de que a alma é transgressora, por isso sempre é possível acreditar em mudanças! Como expressa outro clássico da cultura brasileira: "... pra fazer um samba com beleza É preciso um bocado de tristeza É preciso um bocado de tristeza Senão, não se faz um samba não ... Fazer samba não é contar piada E quem faz samba assim não é de nada O bom samba é uma forma de oração Porque o samba é a tristeza que balança E a tristeza tem sempre uma esperança A tristeza tem sempre uma esperança De um dia não ser mais triste não..." ('Samba da Benção' - Vinicius de Moraes) Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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ADMIRÁVEL CHIP NOVO (Uma costura entre Pitty, Deleuze, Controle e Sexualidade) Pitty lançou 'Admirável Chip Novo' em 2003, como uma crítica à sociedade de controle, manipulada por um grande Sistema que induz o consumo de acordo com as regras que lhe favoreça. E ao falar em sociedade de controle, naturalmente associo esta temática à Deleuze, que contribuiu muito ao revisitar os conceitos de Foucault sobre a Sociedade Disciplinar e nos ajudou a pensar na Sociedade de Controle. Nas palavras do próprio filósofo francês: "Estamos entrando nas sociedades de controles, que funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea" (Gilles Deleuze - Conversações) Assim, pode-se entender que, na sociedade atual, o controle vem das redes e suas consequentes manipulações através dos algoritmos, que induzem cada indivíduo consumir o que o capitalismo ordena. E como fazem isso? Alimentando a baixa autoestima de cada ser humano! Quanto mais insatisfeito o indivíduo, mais ele consome e mais afastado fica, da própria intimidade. Desta forma, as redes sociais e seus algoritmos induzem e controlam ações que Pitty elenca muito bem em sua música: "Pense, fale, compre, beba / Leia, vote, não se esqueça / Use, seja, ouça, diga / Tenha, more, gaste, viva" Toda forma de pensamento, consumo, postura e escolha é influenciada pelo Controle do Sistema, que rebaixa a potência de cada ser. Deleuze, em uma citação clássica, diz: "O poder requer corpos tristes. O poder necessita de tristeza porque consegue dominá-la. A alegria, portanto, é resistência, porque ela não se rende. A alegria, como potência de vida, nos leva a lugares onde a tristeza nunca nos levaria." Belíssima reflexão de Deleuze! Acredito que um dos caminhos da potencialização, recuperação da alegria e liberdade de alma é a Sexualidade. E, não por um acaso, esta é a temática mais condenada pelo conservadorismo -este que nos assola com seu moralismo hipócrita e guerreia, ferozmente, contra o processo de individuação. Compreendo que a Sociedade de Controle compactua com posturas violentas e extremistas dos que consideram a sexualidade uma grande ameaça ao pudor, enquanto naturalizam a agressão e dominação dos que eles julgam como inadequados, promíscuos, pervertidos etc. Em uma postagem que fiz, apresentei uma obra de arte do Séc. XIX, para abordar a temática da sexualidade feminina. Em pouco tempo o algoritmo retirou a imagem da postagem e fiquei espantada quando a imagem foi também retirada da pesquisa do Google, em português. Uma conclusão óbvia, porém, preocupante: a sexualidade liberta e alimenta o devir, logo: ".. lá vem eles eu sei o que vão fazer: reinstalar o sistema". Vivemos numa sociedade que considera ofensiva a expressão artística, mas exalta a brutalidade do adestramento das massas! Esta onda violenta que atua socialmente como uma maré destruidora, faz parte da sombra coletiva que - para quem tem olhos para ver, revela um complexo cultural destruidor da sociedade. Cada indivíduo que permite causar pane e desconfigurar o Sistema é um agente colaborador de uma sociedade mais livre. Sou do pensamento otimista, não romantizado, de que a jornada é longa mas é possível de se chegar lá! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

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HOMEM NÃO CHORA Considero esta música do Frejat, lançada em 2001, como um belo poema irônico do que representa a masculinidade adoecida. Como bem expressa Frejat, "homem não chora nem por dor, nem por amor", "nem por ter, nem por perder"... quanto adoecimento pela não expressão de suas emoções! O homem casado com esta sociedade violentamente patriarcal, não pode expor seus sentimentos, seja 'na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, até que a morte os separe'. Casamento de altíssimo custo para todos os arranjos que este homem se propõe a fazer. Se não pode lidar e expressar suas emoções e sentimentos, como poderá se relacionar, verdadeiramente? Frejat apresenta o resultado: "E antes que eu me esqueça / Nunca me passou pela cabeça lhe pedir perdão /E só porque eu estou aqui, ajoelhado no chão Com o coração na mão Não quer dizer que tudo mudou, que você ganhou". Esta masculinidade adoecida desenvolve homens endurecidos, orgulhosos, racionalistas, pragmáticos, que se defendem de suas feridas emocionais em comportamentos violentos, agressivos, opressivos, sem a menor abertura para compreender que por trás disto tudo, há muita dor e sofrimento. Como resultado coletivo, acompanhamos as posturas machistas, autoritárias, misóginas etc., de nossa sociedade. Uma dinâmica coletiva que ainda resiste e é reforçada por cada homem que não reconhece e assume seu potencial de sensibilidade, amorosidade, entrega, sutileza, natural de todo ser humano. Costurando com Frejat: " Esse meu rosto vermelho e molhado / É só dos olhos pra fora / Todo mundo sabe que homem não chora Lágrimas são água / Caem do meu queixo e secam sem tocar o chão." Que desperdício de vida, de possibilidades, de vitalidade, de saúde, de trocas com quem se ama , essa subserviência a um sistema que só traz afastamento afetivo. Dureza não é sinônimo de força e sim de dor. Não chorar não é sinônimo de força e sim de aperto. Agressividade não é sinônimo de força e sim de desamor. Cada homem que abre o peito para si, não para gritar mais forte e sim para liberar a dor carregada há séculos, colabora, imensamente, para mudar essa engrenagem de destruição afetiva. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

TUDO DIFERENTE Esta canção melodiosa e graciosamente interpretada por Maria Gadú, me inspira a imagem delicada da expressão da Alma. Mais uma música que pode ser compreendida, simbolicamente, como a expressão da jornada de individuação. Em termos psicológicos, "todos caminhos trilham pra gente se ver / todas trilhas caminham pra gente se achar, viu" traduz, perfeitamente, a manifestação do Self (Si Mesmo) que atua a favor do desenvolvimento de todo indivíduo. O Self não é responsável por controlar, determinar, administrar, obrigar... ele apenas É. Sua manifestação não pode ser impedida, mas pode ser apreendida, compreendida, sentida, experenciada e quando a pessoa percebe esta possibilidade, de alguma forma, ela assume sua jornada de individuação. ("A qualquer distância o outro te alcança / Erudito som de batidão / Dia e noite céu de pé no chão / O detalhe que o coração atenta") E quando este compromisso é assumido, sem dúvida, é de grande alegria para a alma, que passa a ser considerada como parte complementar, pelo Ego. A Totalidade passa a ser respeitada e a busca por integração torna-se mais consciente ao Ego. ("Eu ligo no sentido de meia verdade / metade inteira chora de felicidade") Como é sabido, este encontro consigo não é idealizado, não é fácil e vem carregado de conflitos. ("Você passa, eu paro / Você faz, eu falo / mas a gente no quarto sente o gosto bom que o oposto tem / Não sei, mas sinto, uma força que embala tudo / Falo por ouvir o mundo / Tudo diferente de um jeito bate") E considero, este, o maior desafio do ser humano: entre tantos encontros e desencontros com a própria intimidade, como reconhecer-se e relacionar-se, profundamente, com quem se É. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

AGRADECER E ABRAÇAR 'Agradecer e Abraçar' - um ótimo embalo, interpretado por Maria Bethânia, para representar a passagem de ano. Simbolicamente, o mar pode representar o inconsciente regido pela Grande Mãe e a lua cheia, o princípio feminino que contém toda potência criativa e de fertilidade. Abraçar o mar na lua cheia me remete a um convite de entrega sem medo, um entregar-se às regências maiores, na confiança de que, através desta entrega, toda 'mágica' acontecerá! Compreendo a 'dona alvorada', como uma representação simbólica dos primeiros lampejos de luz que identificamos quando estamos mais discriminados com nossas verdades. Em termos psicológicos, identifico a relação entre Self (Si mesmo) e ego, quando este último, mais discrimando, confia e não mais controla... não resiste...só confia no Self como maior e melhor guia no encontro do indivíduo, consigo. Quando há confiança na própria construção e se chega ao ponto de nada pedir, apenas abraçar e agradecer o que vem de si, é porque, sem dúvida a jornada está no prumo certo. Esta música descreve, lindamente, um processo de individuação! E individuar-se é viver, constantemente, encerramentos e renovações de ciclos! Feliz Ciclo Novo! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

ENQUANTO HOUVER SOL Esta forte e delicada composição de Sergio Britto, interpretada pelos Titãs, me inspira imagens de uma conversa com a própria intimidade. Visualizo, através desta música, uma fala sensível do Self (Si Mesmo) para o Eu racional. O Self, esse Grande Sol Central, regente maior das dinâmicas psíquicas, é um potente incentivador de nosso desenvolvimento, que acontece a partir dos enfrentamentos que fazemos conosco e na vida. Sinto a música como a condução do Self para com a racionalidade, que busca trazer à consciência do Eu a confiança de que há algo maior do que o ego supõe e, por isso, não há porquê desistir. O ego experencia a partir de controles e limites - o que é próprio de sua função. Desta forma, é natural que ele também compreenda a dinâmica da vida como algo limitado, com pouca flexibilidade para transposições e transcendências. Estar na vida é, também, experenciar arranjos frustrantes, decepções, fatalidades, repetições, banalizaçôes e todas as possibilidades não idealizadas, que geram desconforto, tristezas, pessimismo, desânimo, falta de perspectiva etc. Mas, como traz a música: "enquanto houver Sol, ainda haverá..." E haverá o quê? A expressão de Sérgio Britto sugere que ainda haverá saídas, possibilidades de viver, esperança, recomeços e desejos, afinal, há em nós uma regência maior que sabe exatamente qual o melhor trajeto a ser seguido. Não reconhecer esta regência é estar submetido às limitações e arranjos infrutíferos. Mas o Self, esse grande regulador da psique, é imanente e sua constante atuação, mostra, para quem tem olhos para ver, e sentidos para sentir, que: "Quando não houver caminho Mesmo sem amor, sem direção A sós ninguém está sozinho É caminhando que se faz o caminho Quando não houver desejo Quando não restar nem mesmo dor Ainda há de haver desejo Em cada um de nós, aonde Deus colocou" Não há solidão para aquele que, verdadeiramente, compreende que além do Eu, existe uma Totalidade, que nos compõe e atua a favor de nós. Até a próxima, Karina Lopes Cabral

PERDENDO DENTES 'Perdendo Dentes', um clássico do Pato Fu, me sugere uma conversa íntima da pessoa com o próprio espelho, reconhecendo o fracasso de ter a vida conduzida, principalmente, a partir da atuação superficial do ego. Quando a pessoa se reconhece, apenas, a partir do ego e se conduz a partir desta racionalidade, dificilmente se reconhecerá como um indivíduo em busca de Si. Em termos psicológicos, a relação entre ego e Self (Si Mesmo) é precária. O indivíduo não se reconhece a partir da regência do Self, identificando-se, exclusivamente com a persona e atuando a partir dela. Na música, Fernanda Takai deixa essa relação bem exposta: "eu quis ser eu mesmo, eu quis ser alguém, mas sou como os outros, que não são ninguém ". E como bem mostra a Psicologia Analitica, toda pessoa que não reconhece que sua consciência, na verdade, é regida por uma Consciência muito maior do que ela apreende, estará fadada a uma inutilidade de atuações na vida. Uma representação deste fato, está no trecho: "as brigas que ganhei, nenhum troféu como lembrança pra casa eu levei. As brigas que perdi, estas sim, eu nunca esqueci." Compreendo esta fala como o desvalor de se alimentar alguns propósitos defensivos e rasos do ego, que nos traz falsos troféus, títulos, valores, etc. Quantas pessoas buscam preenchimento para as demandas da alma, através de conquistas egóicas que não a preencherão? E quando isso ocorre, a satisfação é imediata e, na mesma proporção, passageira. Assim, o movimento é de eterna insatisfação e busca incessante por algo que o indivíduo não identifica pela racionalidade. Mas a alma está ali, se fazendo presente, inconscientemente, não deixando de atuar, pois é condição de existência humana. O resultado são conflitos constantes, crises existenciais, distorções de valores e imagens, estados depressivos e ansiosos, uma eterna sensação de insatisfação, busca incessante por preenchimento, não se sabe de quê. Conhecer-se para além do ego é um caminho muito válido para quem busca entrar em contato com a Totalidade e sentir um caminho de preenchimento mais efetivo para Si! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

PRECISO ME ENCONTRAR Essa maravilhosa canção composta por Candeia! Sinto esta música como um belo poema de uma alma sufocada, pedindo liberdade, buscando descobrir, através da solitude, possibilidades de vir à vida! As imagens que me brotam é de alguém que viveu uma condição de aprisionamento por muito tempo e finalmente encontrou coragem de abrir a porta e enxergar o mundo... alguém que parte sem rumo... o destino não interessa... o que importa é sentir que a vida corre pelas veias, que há movimento no corpo, que há respiração em céu aberto! Quão necessário é respirar a natureza! Em termos psicológicos, essa música é uma bela metáfora para a relação Ego/Self (Si Mesmo). O quanto o indivíduo vive um aprisionamento quando não escuta esta voz mais profunda que não vem consciência do Eu e sim do inconsciente? E o quanto esta dinâmica distancia o indivíduo de sua própria natureza? Distanciamento que afeta e paralisa, muitas vezes, a pessoa na vida - seja aprisionando as vontades, impedindo o autoconhecimento, as possibilidades de conquistas, aprofundamentos de vínculos etc. O resultado vem em inúmeras somatizações, ativações de complexos, frustrações, falta de criatividade nas relações, crises de ansiedade, depressão, dependências, compulsões e por aí vai! Sinto esta música como um apelo da alma: esta que clama pelo despertar... pelo encontro... pelo reconhecimento... pelo fluir... por um respiro... enfim, por uma entrega de si para Si, sem questionamentos, sem justificativas, sem ter que dar satisfações. Sem dúvida, uma bela representante para a nossa jornada de individuação, que é exclusiva e solitária - no sentido de que ninguém pode fazer este caminho por você! "Se alguém por mim perguntar Diga que eu só vou voltar, depois que me encontrar..." Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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HELLO O vídeo oficial de ‘Hello’ ilustra a história de amor entre o casal, rompida pelas dinâmicas da vida. Analisando pela perspectiva simbólica, podemos introjetar esse casal e reconhecer que esta é uma conversa íntima com nosso par de opostos que compõe nossa intimidade. Um diálogo claramente rompido e que a voz poética da música, busca resgatar. Esse resgate vem numa reflexão deste Eu mais amadurecido, percebendo o quanto está machucado e que o tempo não foi suficiente para que as feridas curassem: tudo continua muito dolorido. Numa dinâmica psicológica, este é o primeiro passo - e fundamental! – para o desarmamento das defesas egóicas e a abertura para o diálogo com nossa intimidade, nossos conteúdos inconscientes. Na música, o Eu lírico, busca sua aproximação através do “Olá, sou eu”, “Olá, você pode me ouvir”, “Olá do outro lado”, “Olá do lado de fora”, “Olá, como vai você” ... e a cada tentativa, vai demonstrando um interesse de saber como anda a outra parte desta relação, abandonada por uma dinâmica puramente egóica e que desconsiderou o Self (Si Mesmo) como o regente maior de seu desenvolvimento, até então. As frases: “É tão típico de mim falar sobre mim mesma, me desculpe”, e “Há uma grande diferença entre nós e um milhão de milhas” demonstram o quanto essa consciência egóica reconhece sua dominação e despertando para o fracasso que representa uma relação sem alteridade, busca contato e perdão. Ao longo de toda música, fica bem claro o arrependimento, o reconhecimento do tempo perdido e a dureza em que o lado oposto se encontra, mesmo com todos os pedidos de desculpas. Podemos perceber a importância de o Ego reconhecer que não atua sozinho, mas o fato de ter reinado por tanto tempo unilateralmente, causou um enrijecimento no acesso à dinâmica oposta. Assim, a energia psíquica não atua progressivamente; o encontro dos opostos não é frutífero e, neste arranjo, a libido regride. Na prática, acontece o que a música também descreve: “Estou na Califórnia, sonhando sobre quem costumávamos ser, quando éramos mais jovens e livres; eu esqueci como era antes do mundo cair aos nossos pés” ou “Você conseguiu sair daquela cidade onde nada nunca aconteceu?”. Ou seja, neste desencontro com a própria intimidade, não há construção criativa, não há envolvimento conosco, tudo fica racional, binário, sem libido. O vídeo em preto e branco fica bem sugestivo! Aqui se abre a brecha para destacar a importância de nos entendermos enquanto seres simbólicos, seres regidos por uma Totalidade que busca caminhos para se fazer presente e que consegue integração através da percepção e atuação egóica, sim, mas em parceria com as demais instâncias que nos compõe. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

DEPOIS Quantas vezes não depositamos no outro uma perspectiva insana de desenvolvimento amoroso, de tal modo que nos surpreendemos com sua despedida; como que se fosse inadmissível pensar o desenvolvimento da existência sem esse outro. A alma se perdeu e, no desespero e na alucinação, tenta resgatar uma imagem ou um sinal de amor. As perdas amorosas, nas vivências que temos, nos levam para essa desordem. Mas o que é esse amor e onde ele está? Fazemos perguntas sem respostas, nos traímos e nem percebemos; achamos que o outro nos vira às costas! Mas de que outro falamos? Nem nos reconhecemos... Dói na alma essa angústia de não poder ser quem se possa imaginar, pois o outro que se vai, leva tudo de mim. A quanta raiva a ignorância de nós mesmos nos expõe! Essa raiva vai sendo projetada e o fim ainda nem começou; percebemos que nessa dor imensurável o começo pode ser uma possibilidade. Mas que começo? Seria talvez, o resgate de nossa própria alma? Sheila Rosana de Carvalho Pereira Beijo e Até.

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ATRÁS DA PORTA Intérprete: Elis Regina Composição: Chico Buarque "Quando olhaste bem nos olhos meus E o teu olhar era de adeus Juro que não acreditei Eu te estranhei, me debrucei Sobre teu corpo e duvidei E me arrastei nos teus cabelos No teu peito, teu pijama Nos teus pés, ao pé da cama Sem carinho sem coberta No tapete atrás da porta Reclamei baixinho Dei pra maldizer o nosso lar Pra sujar teu nome, te humilhar E me vingar a qualquer preço Te adorando pelo avesso Pra mostrar que ainda sou tua Até provar que ainda sou tua" O divórcio na alma...que dor insuportável! A separação do amor me faz pensar... por que motivo? Nos perdemos do amado encontro com o outro, jurado de amor para sempre! Confinados no desespero vazio da alma que nos reclama envolvimento. Mas envolvimento do que? Para quem? Esse divórcio que chega frio através de muitos vieses. Traição de quem? Será que traímos a Alma quando pensamos o “para sempre”, é o mesmo dos contos de fadas? Será que trair seu desejo é um pecado? Mas se o desejo for embora de mim, o que haverá em mim? Quantas de nós não choramos o amor partido e não partimos com esse amor? A psicologia de Jung, tão atrevida para seu tempo, nos prova que essas questões, quando levadas para uma reflexão mais íntima, chegamos à pergunta “Quem somos nós?” E descobrimos em seus relatos teóricos um criativo desconforto da ausência de consciência de nós mesmos, e talvez seja por isso, que a tristeza desmedida nos invada a Alma ao percebermos que quem partiu nunca existiu. Sheila Rosana de Carvalho Pereira. Beijo e até!

SHIMBALAIÊ (MARIA GADÚ) Maria Gadú compôs Shimbalaiê quando criança - aos 10 anos – e com esta informação se evidencia a profunda sensibilidade desta compositora, que traz o termo “Shimbalaiê” como palavra sem tradução, uma criação de sua imaginação infantil. Que criança mais ligada à Natureza é ela! Muita delicadeza na alma para, tão jovem, trazer um olhar tão profundo para sua apreciação do pôr do sol. Como toda arte, somos afetados e criamos nossas próprias impressões a partir de nossos afetos. Trago uma interpretação simbólica – dentro de tantas possíveis - desta música que considero tão suave, poética e delicada! "Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar" “Shimbalaiê” pode ser sentida como uma saudação à Natureza, uma reverência de alegria pelo encontro com o Sagrado (em nós) que Ela proporciona. O sol beijando o mar, toda vez que ele vai repousar: que descrição mais poética do pôr do sol! Sol: aquele que ilumina o céu: a consciência; o grande Espírito; o agente ativo; a energia vital. Mar: lugar de transformação, movimento, fertilidade e profundidade: o inconsciente. Na descrição poética da compositora o beijo entre sol e mar traz uma representação simbólica de um encontro favorável, calmo, permitido entre essas duas forças da Natureza. Que alegria (Shimbalaiê) de encontro entre consciente e inconsciente! O repouso do sol como este descanso que a consciência precisa para que a noite (o inconsciente) também se faça presente. O pôr do sol como o mediador desta “troca de turno” de um ciclo que se renova todos os dias. Pôr do Sol: morte; encerramento de ciclo; renovação. "Natureza, deusa do viver A beleza pura do nascer Uma flor brilhando à luz do sol Pescador entre o mar e o anzol" Natureza: criação, vida, renovação – a pureza do Belo de tudo que Ela cria e manifesta. Flor: A criação delicada; a passividade; a infância; a harmonia; relação com a espiritualidade. Pescador: aquele que está aberto ao encontro com o inconsciente; aquele que busca, em suas profundezas, seus tesouros. Anzol: instrumento concreto que possibilita a pesca em águas profundas; é o instrumento que capta e traz à tona os conteúdos submergidos. Uma flor brilhando à luz do sol, o pescador entre o mar e o anzol pode ser olhado como a entrega daquele que busca - entrega passiva e confiante, de uma ingenuidade pueril e espiritual - ao grande Espírito que rege com sua clareza e potência. O pescador que está aberto a buscar, em suas profundezas, possibilidades ocultas na consciência racional, mas vívidas no rico mar da inconsciência - incluindo o inconsciente coletivo. "Pensamento tão livre quanto o céu Imagino um barco de papel Indo embora pra não mais voltar Tendo como guia Iemanjá" Uma vez que há encontro e abertura positivas entre consciente e inconsciente, estabelece-se uma relação de liberdade na racionalidade: a razão pode se manifestar de forma criativa, com espaço infinito para explorar, sem limitação, sem cobranças: sua guia é a Grande Mãe das Águas – este feminino forte, sábio, protetor e amoroso. "Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar" "Quanto tempo leva pra aprender Que uma flor tem vida ao nascer Essa flor brilhando à luz do sol Pescador entre o mar e o anzol" Quanto tempo o ser humano leva para compreender que é um Ser pertencente à Natureza e que não está alheio a ela? Que somos flores pertencentes a um jardim divino? E que ao reconhecermos essa Natureza, como uma realidade que também se faz presente em nós e compõe nossa intimidade, criamos condições de fazer mergulhos profundos em nossa Alma, trazendo à superfície criações valiosas para nosso desenvolvimento humano? "Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar" "Ser capitã desse mundo Poder rodar sem fronteiras Viver um ano em segundos Não achar sonhos besteira" Ao possibilitar o mergulho na própria Alma – que traz à consciência os tesouros inconscientes, abre-se esta condição de autonomia, de se movimentar na vida sem limitações, viver intensamente, sem boicotes e desvalorização dos próprios desejos. Acreditar que as demandas do inconsciente (pessoal e coletivo) buscam manifestação na dimensão concreta, buscando autorrealização. "Me encantar com um livro Que fale sobre vaidade Quando mentir for preciso Poder falar a verdade" Se encantar com os conhecimentos de si, que tragam a verdade e reconhecimento do valor próprio; poder falar a verdade, se assumir, não ter necessidade de mentir; perder o medo de ser quem se É. "Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar" Esta é uma possibilidade de interpretação simbólica desta poesia linda de Maria Gadú; encanta-me sua beleza e genialidade! Uma Alma que, aos 10 anos, ainda num corpo infantil, descreveu de maneira tão simples e profunda além do movimento dinâmico da energia psíquica, a busca do Self. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

MEU VÍCIO É VOCÊ "Meu cigarro e o perfume do mato A bebida é a água da fonte Meu desejo tem flor de laranja Jogo apenas o jogo do amor Eu não vou lhe dizer Que não tenho defeitos Mas com eles me arrumo, me acerto, me ajeito Meu problema é um segredo guardado no peito que se chama paixão Meu vício e você, meu cigarro é você, Eu te bebo, eu te fumo Meu erro maior eu aceito, eu assumo Por mais que eu não queria, eu só quero você Meu vício é você Meu dadinho, meu jogo de cartas marcadas Essa droga de sonho não vai dar em nada Vim rolando na vida e parei em você." (Intérprete: Alcione Composição: Carlos de Carvalho Colla/ Francisco Figueiredo Roque) Essa música me faz pensar nos vícios que vivemos quando estamos tentando afogar nossos desejos, paixões e amores; será que é por conta de não os ouvir com a alma? Eles nos dizem sobre nossas emoções e culminam numa projeção de amor ideal; será esta projeção de amor uma busca no outro daquilo que não percebemos em nós? Essas defesas do ego me levam a pensar o quanto evitamos nos confrontar com os desejos na alma, que faminta por reconhecimento e nos convida, continuamente, a percorrer o caminho da fonte na vida em nós. Essa travessia não é representada por águas brandas; envolve vícios, medos, angústias, desconhecimentos, ansiedades e tantas outras emoções, que com fome e sede de amar, sem saber o que, nos perdemos em “colos” nada afetivos. Na minha prática clínica ouço pessoas em situação de desespero, que questionam suas escolhas em relação a parceiros, profissões, amigos tóxicos e viciantes. Muitas das vezes, os relatos vêm carregado de muita ansiedade, sofrimento, solidão, inconsciência e pressa, que por sua vez, representa a angústia por não enxergarmos o caminho das águas na fonte, e isso nos leva a um papel passivo diante de tanto sofrimento. A pressa e a paixão que chegam arrasadoras embriagam, e quando olhamos o outro não percebemos o que estamos vendo. O amor viciado e embriagado não reconhece o desejo de ser amado, e neste caminho desesperado e apressado, não conseguimos alcançar nossos desejos e nos frustramos numa utopia por afeto. Penso que, para não sermos devorados, o caminho seja integrar e ressignificar nossas dependências afetivas. A dona Vida nos propõe caminhos e obstáculos que são inevitáveis e necessários para encontrarmos as propostas do Self, para encontramos o perfume do mato e a água da fonte. E será neste enfrentamento que o amor deverá ser reconhecido na alma do amado em mim. Sheila Rosana de Carvalho Pereira Beijos e até!

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