Ciranda Contemplativa

A Ciranda Contemplativa compartilha um olhar simbólico e abrangente para os estudos, conhecimentos e instrumentos que buscam, em suas respectivas linguagens, o aprofundamento e tradução da Alma

OS SORRISOS DE FRANCISCO Francisco, antes de ser Papa, era Jorge - 'aquele que trabalha a terra'; nome do Santo que representa força e coragem; no sincretismo religioso é Ogum - o Orixá guerreiro. Mas não só Jorge: Jorge Mario era seu nome! Mario, que em latim significa 'homem de Marte' ou 'guerreiro;' Marte na mitologia romana é o deus guerreiro e também protetor da agricultura. Assim, Jorge Mario carrega a potência guerreira de força e de proteção dos que trabalham a terra (símbolo de nós mesmos)! Aos 76 anos, torna-se Francisco - o Papa! O primeiro Papa a se chamar Francisco, por espelhamento de Francisco de Assis: aquele que renunciou a riqueza para viver entre os mais pobres; o que viveu entre os marginalizados, excluídos, praticando o amor incondicional; o padroeiro da ecologia, pela identificação da natureza como parte da consciência da Terra. Francisco: a melhor escolha para Jorge Mario que já trazia na bagagem os mesmos princípios. Não faltam informações sobre a vida deste homem que trouxe imensa colaboração ao mundo através de seus valores progressistas, praticados dentro de uma das mais importantes instituições religiosas e, também, mais consevadoras que existe. O que sempre me encantou no Papa Francisco foram seus sorrisos! Sim, no plural! Francisco sorria com a boca, com os olhos, com todo o corpo! Sorrisos de ternura, de alegria, de ironia, de bom humor! Sorrisos de quem nunca foi demagogo! Nunca vi uma foto de Francisco sorrindo com quem não bem lhe caía. Mas o vi sorrindo inúmeras vezes! Sorriso fácil, solto, de quem viveu o Sagrado e escolheu a Igreja como seu caminho de expressão do Divino. Os sorrisos de Francisco tinham tom de carinho e acolhimento com o povo - que projetava em sua imagem a representação Divina. Assim como Francisco de Assis, Papa Franscisco compreendeu os ensinamentos de Cristo e aproximou o povo de si: não marginalizou, agregou! Nao julgou: acompanhou a linguagem do tempo.Trouxe à Igreja, vida! Movimentou valores importantes e nunca deixou de se reconhecer humano, o que para mim, foi sua maior virtude! Soube assumir sua missão, dentro da humanidade que lhe cabia. Com este sorriso aberto, o paraíso é certo! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

RESSONÂNCIAS ENTRE O TAROT E A PSICOLOGIA ANALÍTICA O Tarot começa a ser difundido na Europa por volta do séc. XV e é aceita a ideia de que este conhecimento é encontrado, primeiramente, no Egito Antigo, ganhando expansão no mundo, através do povo cigano. De maneira geral, ele pode ser compreendido como um rico instrumento de autoconhecimento, composto por 78 cartas, onde 22 são chamadas de Arcanos Maiores e as demais 56 de Arcanos Menores, sendo estes últimos representados por 4 elementos: copas, paus, ouros e espadas (ou na linguagem dos elementos essenciais da natureza: água, fogo, terra e ar). Como toda dinâmica que envolve autoconhecimento, o caminho é interno e subjetivo; diferentemente do que é popularizado, o Tarot não se limita a um jogo de adivinhação ou uma prática ritualística com intenção de manipular vidas alheias. Considero este, um uso antiético, inadequado e irresponsável de um instrumento simbólico tão rico e profundo. São várias, as possibilidades de etimologia da palavra Tarot, onde destaco as árabes "turuq" = "quatro caminhos" e "tariqa" = "caminho" ; a latina "rota" = "roda" e a frase egípcia "Ta-Rosh" = "o caminho real". Essas possibilidades etimológicas mostram que o Tarot tem como proposta trazer movimento criativo para o desenvolvimento e orientação a quem se propõe estudá-lo e interpretá-lo, respeitosamente. Quando olhado por esta perspectiva, o Tarot oferece a possibilidade de um mergulho profundo na alma. A psicologia analítica tem como base a relação do indivíduo com seu inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo, como forma de integração psíquica: uma jornada onde o Self busca o encontro com a Totalidade. A principal linguagem utilizada na comunicação entre Ego, Self, Psique (consciente ou inconsciente) é a expressão simbólica, composta por imagens; por isto, toda forma de expressão da alma é rica e altamente validada! Na prática da psicologia analítica, são muitos, os recursos expressivos utilizados e reconhecidos, como, por exemplo, os sonhos, a imaginação ativa, o Sandplay, os desenhos e as mandalas. O Tarot, com suas 78 lâminas, é uma fonte de símbolos que permite mergulhos e associações inesgotáveis, como as que fazemos quando buscamos interpretar um sonho. Assim, cada lâmina do Tarot se revela de acordo com a profundidade correspondente à pessoa que está mergulhando nas imagens. Desta forma, a interpretação do Tarot relaciona-se à dinâmica psíquica de quem o explana, juntamente à capacidade de conexão e significação dos arquétipos do inconsciente coletivo, que cada pessoa apresenta - dinâmica que se comunica muito bem com a função intuitiva da psique. Interpretar o Tarot, um sonho, uma imagem na caixa de areia etc. é, antes de tudo, estar a serviço do Self, não do Ego. Toda tentativa de interpretação racionalista gera um empobrecimento nas imagens e as mesmas se limitam à superfície. O processo de autoconhecimento pressupõe profundidade, um caminho que leva ao submundo, ao escuro psíquico, assim como a natureza manifesta dos oceanos e suas águas profundas. A esta jornada, Jung deu o nome de 'jornada de individuação'; no Tarot, ela é descrita como 'o caminho real'. Conectar-se profundamente com este instrumento é reconhecer que o Tarot é uma ponte de acesso ao Sagrado, ao numinoso, ao divino. Na linguagem da psicologia analítica, esta dinâmica é conhecida como o processo psíquico da função transcendente, Na prática clínica, as imagens são bem vindas, assim como todas as imagens oriundas de qualquer fonte que faça sentido para a pessoa que busca trilhar seu caminho de individuação, não cabendo nenhuma forma de preconceito ou julgamento, pelo desvalor que, infelizmente, é atribuído às práticas consideradas místicas e esotéricas. Mas o que cabe - e considero fundamental - é o reconhecimento da postura necessária dentro do setting analítico para que possíveis misturas não confundam e invalidem o papel, tanto da psicologia, quanto da tarosofia! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

O ESPELHO DAS ALMAS SIMPLES E ANIQUILADAS E QUE PERMANECEM SOMENTE NA VONTADE E NO DESEJO DO AMOR "Vós que este livro lereis, Se bem o quiserdes entender, Pensai no que vos direi, Pois ele é difícil de compreender; À humildade, que da Ciência é a guardiã E das outras Virtudes a mãe, Deveis vos render. Teólogos e outros clérigos, Aqui não tereis o entendimento Ainda que tenhais as idéias claras Se não procedentes humildemente; E que Amor e Fé conjuntamente Vos façam suplantar a Razão, Pois são as damas da mansão A própria Razão nos dá testemunho No capítulo XIII desse livro, E disso não se envergonha, Que Amor e Fé a fazem viver E delas não se libera, Pois são suas senhoras, Que humilde a fazem ser. Tornai humildes as vossas ciências Que estão na Razão asseguradas, E colocai sobretudo a confiança Naquelas que o Amor vos pode dar E que a Fé sabe iluminar, E assim compreendeis este livro Que por Amor faz a alma viver." (Marguerite Porete) Este poema abre o livro " O Espelho das Almas tristes e aniquiladas e que permanecem somente na vontade e o desejo do Amor" de Marguerite Porete, francesa nascida por volta de 1260 e morta na inquisição em 1310. São poucos os dados que se tem de Marguerite mas, pelo estudo de sua obra, supõe-se que foi uma mulher voltada à teologia e literatura e tudo leva a crer que foi uma beguina (mulher leiga católica que vivia em comunidades sem homens, na Idade Média, assumindo voto de pobreza, se entregando à orações e dedicando-se à caridade). Este livro e a vida de Marguerite Porete me chamou atenção, pelo fato de sua escrita ser considerada um dos textos místicos mais antigos da França do séc. XIII - atribuído ao ano de 1290. Marguerite, com sua profunda mística, apresenta um texto nitidamente cristão, mas que traz uma abordagem de libertação da Alma, que bate de frente com os dogmas da Igreja e sustenta a ideia de transcendência a um divino subjetivo e não imposto, como nos faz crer as religiões e suas determinações. Assim, Marguerite não se sujeitou aos domínios da Santa Igreja, mas, buscou por si, a experiência mística do encontro com Deus. No livro, ela articula, principalmente, um diálogo com três princípios femininos: a dama Amor, a Alma e a Razão e, com riqueza, vai tecendo uma escrita onde a dama Amor e a Alma vão mostrando à Razão a beleza de transcender ao divino. Experiência esta que Jung também viveu, mas procurando validade científica, apresentou-a em dados empíricos e escritas psicológicas. Porém, quem lê o Livro Vermelho, tem a oportunidade de reconhecer que a linguagem de Jung é tão mística quanto os grandes místicos que encontramos na História, como Mestre Eckhart (que inclusive foi influenciado por Marguerite), Rumi, São João da Cruz, Santa Teresa de Ávila, Ramakrishna Paramahamsa, Kabir, Hildegard de Bingen etc. A psicologia analítica apresenta como base o processo de individuação, que ao ser analisado paralelamente às místicas encontra grande ressonância em suas propostas, ou seja, uma semelhante busca de transcendência para uma realidade além da consciência do Eu (a Razão). Ainda hoje, é grande a resistência em naturalizar Jung como um ser, também, místico - além de tantos outros atributos que lhe cabe. A publicação do Livro Vermelho causou alvoroço, mas não o suficiente para desconstruir essa imagem unilateral teórica/cientifica que Jung buscou moldar para ser aceito na época em que vivia. Acredito que sua vivência com o Divino fala, sim, de um ser místico/contemplativo, que escolheu não assumir-se desta maneira e deve ser respeitado, mas não engessado numa época em que temos acesso a tantas possibilidades de um pensar mais expandido, diferentemente do que era possível nos séc. XIX e XX. Porém, observa-se que o pensamento racionalista ainda domina a psicologia e o aspecto místico de Jung continua sendo criticado e limitado. Os inquisidores aprisionaram Marguerite Porete e ela foi queimada viva na fogueira, em 1310. Em nenhum momento ela se sujeitou a aceitar o que ordenava a igreja: que ela se retratasse pelos seus pensamentos e escritas. Convicta do valor e caminho transcendente da Alma, ela não abriu mão de sua Verdade que envolvia a certeza do Amor. Felizmente, alguns exemplares de sua obra sobreviveram à inquisição e este belo escrito de resistência pode, hoje, colaborar na compreensão de que toda relação com o Divino/Sagrado é uma experiência subjetiva e não determinada. É voltando a atenção para Si, que se descobre o Amor e a potência da Alma. Como diz o Evangelho de Mateus - o qual Marguerite se referencia: "Amarás o teu próximo, como a ti mesmo" (M 22:39). Jung, à sua maneira, propôs semelhante caminho. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

REFLEXÕES SOBRE OS SONHOS "O sonho é uma porta estreita, dissimulada naquilo que a alma tem de mais obscuro e íntimo; essa porta se abre para a noite cósmica original, que continha a alma muito antes da consciência do eu e que a perpetuará muito além daquilo que a consciência individual poderá atingir. Pois toda consciência do eu é esparsa; distingue fatos isolados, procedendo por separação, extração e diferenciação; só o que pode entrar em relação com o eu é percebido. A consciência do eu, mesmo quando aflora as nebulosas mais distantes, é feita de enclaves bem delimitados.Toda consciência especifica. Mediante o sonho, inversamente, penetramos no ser humano mais profundo, mais geral, mais verdadeiro, mais durável, mergulhado ainda na penumbra da noite original, quando ainda estava no Todo e o Todo nele, no seio da natureza indiferenciado e despersonalizada. O sonho provém dessas profundezas, onde o universo ainda está unificado, quer assuma as aparências mais pueris, as mais grotescas, as mais imorais" Este pensamento de Jung sobre os sonhos está em um dos seus textos, chamado 'Realidade da Alma', mas esta definição também foi compartilhada no glossário contido no livro 'Memórias, Sonhos e Reflexões', de onde a extraí. Me chama a atenção a maneira poética e profunda com a qual Jung descreveu o sonho como uma porta que se abre para a 'noite cósmica original' que contém a alma, muito antes da consciência do eu a reconhecer e, a mesma alma se perpetuará, apesar da corpo físico limitado que ela habita por determinado tempo. Esta noite cósmica original que o inconsciente individual acessa, Jung traduziu, na psicologia, como inconsciente coletivo. Enquanto a consciência do eu assume o papel de especificar, separar, extrair e diferenciar o que é captado, o inconsciente pessoal continua transitando por outras esferas que a consciência do eu, não identifica, não define. Neste sentido, o sonho acontece fora da vigília, ou seja, num estado alterado de consciência, onde desapegado do controle egoico, o inconsciente pessoal transita por estas outras esferas e a psique nos oferece alguns lampejos deste trânsito, através de imagens oníricas. Quando a consciência do eu recupera seu estado de vigília, a experiência noturna vivida pelo inconsciente já passou por um filtro e, acredito eu, que o conteúdo acessado racionalmente é ínfimo, comparado às infinitas possibilidades que o inconsciente coletivo representa; afinal, como bem compreendeu Jung, ao sonhar, o ser humano mergulha na Totalidade e vive essa indiferenciação com o Todo. Este Todo que apenas É e está manifestado. Os julgamentos de qualidades e valores que surgem, partem da consciência do eu. Por isto, ampliar as imagens oníricas é sempre um convite de contato mais amplo com o que vem do inconsciente pessoal, sendo este, ressonante ao que manifesta o inconsciente coletivo. Como continuação da definição sobre sonho, extraída do glossário de Memórias, Sonhos e Reflexões, Jung conclui: " Os sonhos não são invenções intencionais e voluntárias, mas, pelo contrário, são fenômenos naturais que não diferem daquilo que representam. Não iludem, não mentem, não deformam, não encobrem, mas comunicam ingenuamente o que são e o que pensam. Só são irritantes e enganadores se não os compreendermos. Não utilizam artifícios para dissimular alguma coisa; dizem à sua maneira o que cosntitui seu conteúdo e da maneira mais nítida possível. Mas, quer sejam originais ou difíceis, a experiência demonstra que sempre se esforçam por exprimir algo que o eu não sabe e não compreende." Até a próxima! Karina Lopes Cabral

SAÚDE: UMA CONVERSA, TAMBÉM, COM OS MORTOS Em toda Antiguidade, encontramos povos e culturas que relacionam medicina, saúde e cura à Espiritualidade. Diversas divindades simbolizam a prática da medicina e de cura, em diferentes tradições. Uma dessas divindades é encontrada na Grécia Antiga: Asclépio - ou Esculápio, para os romanos. Toda mitologia tem suas versões, a depender da autoria, mas linhas mais conhecidas trazem Asclépio como o primeiro médico semideus da mitologia grega, um herói, filho de Apolo e Coronis - uma mortal. Sendo o deus portador da saúde e dedicado à cura, sua imagem é apresentada carregando um bastão de madeira com uma serpente enrolada. Muitos templos foram construídos pelos territórios e pessoas faziam suas peregrinações para serem socorridas, pedindo ajuda e cultuando Asclépio. Mas, meu intuito não é aprofundar este mito e, sim, destacar uma das ritualísticas que envolviam a cura, nestes templos: a prática da incubação. A prática da incubação acontecia nas cavernas de Anfiarau e Trofônio; por volta do séc. V a.C. ela se estende aos templos dedicados à Asclépio - chamados Asclepieias - com destaque para o santuário de Epidauro. Como parte do processo de cura, acontecia o conhecido 'sono do templo': o indivíduo dormia no santuário e invocava sonhos, como forma de conversar com os deuses; muitos criavam a expectativa de ter contato com o próprio Asclépio. Ao amanhecer, relatavam seus sonhos e sacerdotes os interpretavam e faziam as devidas prescrições. Toda esta mística foi profundamente vivida e estudada por Carl G. Jung, que revolucionou a psicologia ao compreender o inconsciente coletivo como a rica herança que toda humanidade desfruta e que é acessado pelo inconsciente pessoal, através das imagens. Ao longo de suas experiências, compreendeu que entrar em contato com o Inconsciente, é acessar o 'Mundo dos Mortos'. A prática da incubação pode ser compreendida como uma morte simbólica de tudo que se limita ao corpo físico e ao estado egoico do indivíduo, para um mergulho, sem controle, pelo universo que compõe sua alma, sua Totalidade. Com o passar dos séculos, as Asclepieias, antes ligadas às práticas curativas que integravam racionalidade, natureza e espiritualidade, foram se aperfeiçoando em aspectos estruturais, até se tornarem os hospitais, clínicas e consultórios, como o formato que conhecemos hoje. Espaços, infelizmente, desconectados da parte fundamental para qualquer processo de cura: o reconhecimento de que todo corpo adoecido é uma somatização do que pede a alma. Considero a psicologia profunda, com sua contemplação de imagens, interpretação de sonhos e imaginação ativa, um caminho integrativo para recuperação do indivíduo à sua espiritualidade, que não depende de dogmas, e sim, de autoconhecimento. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

INSTRUMENTOS DE BRUXA Quando se fala em bruxa, é comum o imaginário coletivo associá-la à imagem de uma mulher vestida de preto, paramentada com seu chapéu grande e pontudo, que voa em uma vassoura pelo céu noturno e possui um caldeirão, sempre fumegante, exalando e produzindo poções mágicas. E como podemos compreender estes acessórios? Bem, são diversas, as explanações e associações surgidas ao longo construção histórica destes símbolos; compartilho, aqui, brevemente, algumas delas: O chapéu pontudo pode ser remetido aos tempos antigos e era utilizado por grupos distintos, em práticas ritualísticas. Ademais, o fato das bruxas usarem chapéus grandes, também, se associa à não exposição ao sol: simbolicamente, pode-se entender essa referência ao fato do princípio feminino estar associado à Lua e as bruxas serem, naturalmente, mulheres noturnas, ou seja, familiarizadas com o oculto. Além disso, com o advento do cristianismo, a imagem do demônio passa a ser estereotipada como maléfica e, tendo ele seus chifres pontudos, rapidamente foi ligada à imagem das bruxas e reforçada a ideia delas serem mulheres más, pactuadas com o diabo. A vassoura, além de um instrumento de limpeza, é representação de autonomia e liberdade das bruxas! Construída com cabo de madeira e sua ponta feita com a amarração de ervas, folhas e plantas secas, pode ser compreendida como um instrumento que evoca a ancestralidade. As bruxas carregam a sabedoria das ervas que curam, limpam e, algumas, alucinam. Desta forma, o voo da bruxa, literalizado, é o meio de transporte utilizado para a ida ao Sabá das Bruxas, mas simbolicamente, esse voo pode ser compreendido como a capacidade e conhecimento de mulheres em trabalhar com plantas, ervas e substâncias enteógenas/psicodélicas. Aqui entra o caldeirão, um outro grande instrumento da bruxa! É nele que as plantas e ervas são trabalhadas juntas ou separadamente, sofrendo um processo alquímico e adquirindo grande potência curativa, psicodélica/ enteógena - tão familiares para os povos originários, mas que na Europa foram severamente julgadas. Assim, desde o tempo medieval, toda pessoa detentora do saber ancestral, que se conecta à Natureza e referencia o Sagrado através de ritualísticas específicas, sofre ataques e é vítima de extermínio. Falando, especificamente, das bruxas, destacamos o fato de serem mulheres que não se submetem aos controles patriarcais e utilizam seus instrumentos para preservarem e legitimarem suas expressões! É considerada bruxa, a mulher que não se rende à sociedade machista e valoriza a escuta de Si. É considerada bruxa, a mulher que conhece a potência criativa e curativa da Natureza - externa e interna - e utiliza dos recursos íntimos para os enfrentamentos sociais opressivos. É considerada bruxa, a mulher que não se cala diante das constantes ameaças físicas, mentais, psicológicas e emocionais vividas, diariamente, nas relações conjugais e sociais. A caça às bruxas teve seu auge na história, no séc. XVI, embora tenha ocorrido entre os séculos XV e XVIII. Hoje, séc. XXI, o termo atual para 'caça às bruxas' é FEMINICÍDIO. No Brasil, em média, 1 mulher é morta a cada 6 horas, vítima de feminicídio. O relatório da ONU, divulgado em novembro de 2024, revelou que no mundo, 85 mil mulheres e meninas foram mortas, intencionalmente, no ano de 2023. Falar em bruxas, nos dias atuais, é falar de mulheres que resistem, ao longo do tempo, a todo tipo de violência gerada pelo patriarcado. Alguns termos sofrem modificações, mas, independentemente deles, enquanto houver violência contra a mulher, opressão e desvalorização do princípio feminino, este será um assunto necessário e inesgotável! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

DA ÁRVORE DA SEMENTE (Kaká Werá) "A semente cresce dentro de si mesma. Também ela cresce em contato com o mundo exterior. Só assim se torna árvore: agindo dentro e fora, relacionando-se com seu mundo interior e com o mundo exterior. A semente busca o alto e tão somente o Céu. Impulsionada pela luz, alcança, através do trabalho diário, seu destino. A semente se enraíza na terra. Quanto mais profunda sua raiz, mais alto alcança. Dessas relações com o mundo interior, o mundo subterrâneo e o mundo superior, cria inúmeros galhos, mas um só eixo, um só tronco. Assim se torna árvore, Assim frutifica, assim multiplica, assim se fortalece. No livro da natureza, muitas verdades estão escritas, muitas lições de vida, muitas orientações para aquele que busca o alto. No livro da natureza, está o remédio, a filosofia, o acolhimento e o alimento. Sagrada é essa Mãe Viva que nos orienta permanentemente em seu silêncio! Sejamos como a semente da árvore, então!!!" Este cântico está no livro: "O Trovão e o Vento - Um caminho pelo Xamanismo Tupi-Guarani", de Kaká Werá - escritor, ambientalista, educador, líder indígena brasileiro, pertencente ao povo Tapuia. A expressão sensível e potente deste cântico nos faz um convite à escuta da Natureza e a percepção de que somos natureza, não, apenas, estamos nela! A ecopsicologia vai ganhando espaço e, na qualidade, também, de um movimento social, agrega discussões urgentes e necessárias sobe a relação do ser humano e a natureza, o que faz ressonância com a psicologia profunda, uma vez que busca integração e consciência da totalidade. Em seu cântico, Kaká Werá descreve a relação com a totalidade pela linguagem do xamanismo, que explico, apresentando a definição do próprio autor: "O xamanismo tupi-guarani pressupõe uma tomada de consciência de si. Pressupõe uma investigação interior. Pressupõe a necessidade da purificação da mente. Portanto também é um caminho de autoconhecimento." Em outro trecho, Kaká Werá escreve: "O xamanismo é uma expressão cunhada pelos estudiosos da psique humana. Nessa área do conhecimento, Carl Jung é considerado um dos pensadores mais importantes, pela profundidade e rigor dos seus estudos." Sim! Sem dúvida, jung deu abertura para mergulhar na alma buscando conhecimento em todas as fontes que pôde acessar, dedicando-se a traduzir suas experiências com muita profundidade e rigor - necessários para desenvolver um trabalho de tamanha grandeza! E Jung não fez disso um dogma, pelo contrário, trouxe à psicologia analítica a compreensão da expressão da alma, não importando a maneira ou o local que ela se manifeste! Por isso, considero ser ele tão incompreendido pela psicologia materialista / racionalista. Uma fala clássica de Jung que faz ressonância com o cântico de Kaká Werá, encontra-se no livro Aion (O. C. 9/2): "O ideal de espiritualização que aspira às alturas deveria ser contrariado pela paixão materialista, presa unicamente às coisas da terra e ocupada em dominar a matéria e conquistar o mundo [...] Árvore nenhuma, sabemos, cresce em direção ao céu, se suas raízes também não se estenderem até o inferno." Seja na linguagem de Jung ou de Kaká Werá, mais uma vez, evidencia-se a jornada de individuação como caminho para o reconhecimento de que o desenvolvimento acontece a partir de que se é em essência. A relação com o mundo externo é agente catalisador para o florescer; reconhecer-se parte da natureza - e não alheia a ela - é essencial para a percepção de uma consciência que não é apenas racional, mas sim, integrativa. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

O PAPEL DE LILITH NA PSIQUE MODERNA Lilith é considerada, pelos textos antigos, como a mulher primordial, a primeira esposa de Adão: a que não se subjugou a ele, discordou de muitos assuntos, reivindicou seu papel de igualdade no relacionamento e negou deitar-se debaixo dele na relação sexual. Sua natureza corresponde a um feminino sombrio, intenso, noturno, com necessidade de movimento, autonomia, ação, escolhas e poder de decisão. Por estes motivos, obviamente, sua relação com Adão não funcionou e, para não subjugar-se, bateu asas pelo mundo e passou a viver numa caverna no deserto, às Margens do Rio Vermelho. Desta forma, toda mitologia que envolve Lilith vem carregada de imagens que envolvem aspectos de desvalorização, humilhação, raiva , vingança, desolação e fuga. Por priorizar liberdade, movimento e escolha própria, Lilith é a representação da mulher que nega ser aprisionada num relacionamento. O mito de Lilith é complexo, pois aborda sua dualidade deusa/demoníaca, mas compartilho, hoje, um recorte deste aspecto ígneo, sedutor e raivoso para expressar a potência de um feminino que busca libertação diante de relações opressoras. O princípio feminino, presente em todo ser humano, quando oprimido por forças patriarcais, perde sua expressão potente e autônoma. Não por isso, ele deixa de atuar e se fazer presente , mesmo que de maneira inconsciente. Uma imagem explícita pode ser observada nas dinâmicas heteronormativas, quando homens se sentem atraídos por mulheres independentes, mas têm dificuldade em assumir uma relação que não envolva controle ou algum tipo de julgamento moralista. Por isso, os movimentos contra o patriarcado, em essência, buscam o resgate desta relação integrativa entre os princípios de gênero. A sociedade carece da desconstrução do machismo, que aliena as pessoas em posturas ignorantes, limitadas e violentas. Permitir que Lilith não seja uma refugiada da psique humana, mas também a protagonista, traz a possibilidade de resgatar um princípio feminino que atua com amor, fertilidade, cuidado, nutrição e incentiva o desenvolvimento individual. Negada, ela atua de maneira destrutiva, mas, reconhecida, ela age de maneira amorosa e criativa. Em termos psicológicos, Lilith é o aspecto do ego feminino individualizado, necessário para o desenvolvimento psíquico, emocional, físico e espiritual de qualquer ser humano, independentemente de gênero. Como grande criadora, ela é o princípio que atua na psique reforçando o direito todo indivíduo reconhecer que o que é de sua natureza não precisa ser negado, oprimido ou violentado. Onde circula Lilith, circula vida! O arranjo patriarcal a obriga sair de cena, mas o espírito desta época vem colaborando para que ela se reintegre na sociedade. O caminho é longo, mas cada tijolo removido é uma significativa vitória. Até a próxima, Karina Lopes Cabral

O EU E O DIABO Quando falamos a palavra 'Diabo', nossa mente, rapidamente, a associa às imagens ruins, proibitivas, destrutivas e tudo que estiver relacionado ao que é compreendido como o 'mal'. E, como sabido, a imagem do Diabo também se relaciona às imagens de Lúcifer, Demônio e Satanás. Mas qual o significado destas palavras? DIABO vem do grego 'diábolos' (no latim 'diabolus') - representando 'aquele que desune'. DEMÔNIO vem do grego 'daimonion' / 'daimon' (no latim 'daemoniu') - representando 'o que distribui', 'o que divide'. Entre os gregos antigos o termo era utilizado para definir os espíritos que atuavam como mensageiros entre deuses e homens. Também significa 'força', 'impulso'. LÚCIFER vem do latim 'lux' (luz) e 'ferre' (levar, portar) - representando o 'portador da luz'. SATANÁS vem do hebraico 'ha-Satan' - representando 'adversário', 'opositor', 'acusador'. A maneira como a qual a imagem do Diabo foi se transformando na história é longa, mas, basicamente, ele era representando em forma humana até o século XI e no ocidente ele começa a ser apresentado com uma aparência animalesca, com chifres, rabo e de cor vermelha, a partir do ano 1000, como uma construção do cristianismo contra as religiões politeístas. O Diabo faz ressonância, por exemplo, com a imagem do deus Pã - uma figura meio homem, meio bode, com chifres e um grande sedutor de jovens. Seu acessório característico é o Tridente, que acompanha tantos seres das mitologias, tais como: POSEIDON (deus grego dos mares), NETUNO (deus romano dos mares), SHIVA (deus hindu da transformação), EXUS (entidades das religiões de matrizes africanas, representantes das limpezas, proteções e comunicações). E qual a relação entre o 'Eu e o Diabo' ? Considerando a breve apresentação feita da imagem diabólica, relaciono, de maneira simbólica, o Diabo como este princípio provocador que nos desune da falsa realidade que o ego (quando não discriminado) nos faz acreditar como sendo absoluta. O Diabo, enquanto princípio opositor, é aquele que divide, separa e ajuda a discernir o que é meu e o que é do outro. Representante da força e do impulso, é um grande aliado em nosso caminho de individuação, pois todo processo de individuação, pede um olhar profundo às sombras. A distorção humana para os conceitos de Cristo, fez do cristianismo um dogma que alimenta o medo, inspira ameaças e não incentiva a individualidade, distorcendo, assim, a imagem de Deus e, consequentemente, a do Diabo, também. Os conceitos de Luz e Sombra se distorcem, sendo colocados como opostos que não se complementam. Mas, não será esta, uma postura contranatura? O Diabo, sendo naturalmente sedutor, nos convida a dançar em espaços que não alcançamos quando nos mantemos aprisionados em valores conservadores, opressores, punitivos, que nos acorrenta em culpa e julgamentos. Ironicamente, o dogmatismo religioso nos faz acreditar, justamente, no contrário! Não por um acaso, as religiões de matrizes africanas são alvo de preconceitos e ataques terroristas. São religiões que, através de suas ritualísticas, permitem que as pessoas se coloquem à disposição das músicas, da dança, da alegria, da liberdade de expressão, do prazer. É autorizada e incentivada a viver experiências a partir do corpo, mente, emoção e espírito, mantendo-se fiel aos princípios divinos, compreendendo-os em sua totalidade de Luz e Sombra. Compreendo que quando aceitamos o convite para dançar com o Diabo, nos entregamos à própria verdade e a tudo que se revela a partir dela, o que exige coragem, pois olhar-se no espelho, sem filtros, é revelar-se à sua Totalidade e se aceitar a partir daí. Aí sim, poderemos falar em transformação! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

UMA PERSPECTIVA SOBRE JUNG E O ARCANO 1 - O MAGO - DO TAROT Nos estudos do Tarot, o Mago é o Arcano primeiro, aquele que inicia a jornada de 22 etapas, propostas pelos arcanos maiores. Sendo ele o primeiro a chegar, vem carregado de instrumentos, ideias, possibilidades e disposição para abrir caminhos preciosos, que o leve a descobertas e o ajude em seu desenvolvimento. E qual relação faço entre o Arcano 1 do Tarot e Jung? Quando me aprofundo na imagem de Jung e busco conhecer sua história, reconheço as características construtivas que o Mago apresenta: ousadia, curiosidade, transgressão, intuição, motivação, e todas as qualidades que possam ser atribuídas aos que chegam com desejo de descoberta. Jung, desde sua infância, se mostrou sagaz, curioso, com questionamentos profundos na alma. Auxiliado de grande intuição, aprofundou-se em estudos e experiências, trazendo para a Psicologia a riqueza simbólica, digna de um bom Mago. Jung, assim como o Arcano 1 do Tarot é pioneiro, pois traz à psicologia, profundidade, simbolismo, ampliação do entendimento sobre o inconsciente, compreensão das imagens arquetípicas, vivências em imaginação ativa, etc. E para essa construção intensa, Jung fez seus mergulhos no ocultismo, no Sagrado, nas religiões, no místico, na alquimia, nas culturas e toda variedade de experiências que lhe ajudasse a compreender a alma humana. Assim como o Mago, Jung utilizou todos os instrumentos que estavam à disposição e permitiu fazer suas descobertas e trazer revelações importantíssimas para quem busca seguir a jornada de autoconhecimento. O Tarot é um instrumento de estudo e conhecimento, além de uma rica representação simbólica do processo de individuação. Assim como mergulhamos nas imagens oníricas, na imaginação ativa, mergulhamos também nas imagens deste oráculo que nos revela - através das imagens dos arcanos - a jornada heroica que facilmente identificamos nos mitos, contos, filmes, desenhos e que Jung, primorosamente, trouxe para a Psicologia. Até a próxima, Karina Lopes Cabral

O MUNDO CARECE DE BRUXAS... O mundo carece de bruxas... Essas que representam o feminino em sua qualidade pura e potente, Não subjugado ao patriarcado mutilador. O mundo carece de bruxas... Essas que estão presentes na Totalidade e que cada indivíduo é capaz de acessar se for capaz de desconstruir a grande armadura que carrega e que o afasta de si. O mundo carece de bruxas... Essas que trazem a potência curativa através da natureza e não da patologização do corpo, como se este fosse desprovido de alma! O mundo carece de bruxas... Essas que representam a expressão legítima de intuição, sabedoria ancestral, potência transformadora nas jornadas individuais e coletivas. O mundo carece de bruxas... Essas que representam o desnudar dos pudores, culpas e silenciamento impostos pelo moralismo religioso, que se escandalizam com qualquer ato de liberdade! O mundo carece de bruxas... Essas que não silenciam suas vozes: gritam, riem, cantam, dançam fazendo magia. Essa mágica natural que vem da liberdade de expressão. O mundo carece de bruxas... Todo ser humano que for capaz de desconstruir as falsas composições a que foi moldado durante séculos (para acreditar que o 'certo' é não ser indivíduo e sim um ser fragmentável e manipulável) inevitavelmente, encontrará com elas! Até a próxima, Karina Lopes Cabral