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Ciranda de Filmes e Séries

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 A Ciranda de Filmes e Séries compartilha indicações e análises simbólicas de produções que possam agregar a compreensão das relações humanas, juntamente ao espelhamento das mesmas à manifestação da Alma.

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HOMEM COM H (2025) Este ano, Ney Matogrosso completou 84 anos! Compartilho um pouco sobre o filme 'Homem com H', que conta de maneira belíssima a história deste artista que é uma potente representação de um Homem em seu caminho de individuação. Tantas abordagens neste filme! Mas neste post faço um recorte da relação de um filho com um pai rígido, conservador e extremamente machista. Dificílimo assistir cenas de tanta violência numa relação onde o que se espera é segurança e amor. Ney, nascido na década de 40, ilustra uma realidade que, tristemente, continua validada e fortemente presente, em 2025. Compartilho minha percepção do complexo paterno que atravessou a vida de Ney e o quanto ele buscou ser aprovado por este pai tão embrutecido! Quanto amor e tempo desperdiçados! E nesta ambiguidade entre buscar aprovação e lutar contra a opressão e violência vivida, esse Homem icônico foi fazendo enfrentamentos gigantes diante de uma sociedade que não naturaliza a expressão genuína de cada Ser - com destaque para a sexualidade. A maneira como este Homem expressa através do corpo e da voz seu grito de liberdade, sua solidão, dores e amores é uma verdadeira jornada heroica. Ney merece todo reconhecimento, valorização e respeito de um Ser com uma presença de alma única! Um exemplo vívido do quanto a arte é um caminho riquíssimo de individuação! Vê-lo no palco com toda sua potência, aos 83 anos, sendo ovacionado por milhares de pessoas foi uma das experiências artísticas mais marcante pra mim! Até a próxima! Karina Lopes Cabral

CAPITÃO FANTÁSTICO (2016) Este é um drama de camadas profundas. Os olhares são múltiplos, cabendo várias abordagens aqui. Ben (Viggo Mortensen - assume maravilhosamente este papel), um pai radicalmente 'anti-sistema' cria 6 filh@s isolados da sociedade, num regime extremista de autossobrevivência, anti-consumo, autoeducação, preservação da saúde física, estimulação do pensamento crítico, sem idealizações para essas crianças e adolescentes. Ao mesmo tempo, preserva a imagem de comunhão e ritualísticas já tão perdidas! A celebração de Noam Chomsky como ressignificação dos mitos é maravilhosa! Enquanto crítica político social, são cenas incríveis! Destaco a que ilustra o contraste entre famílias: a família de Ben sentada junto à família típica do sistema: alienada, sem condição de elaboração crítica de pensamento, com negação às realidades que levam à percepção de Si. Assim como na cena do velório, a trama escancara a hipocrisia que se vive diante das verdades que carregamos e o quanto somos formatados para tornarmos pessoas medíocres, com valores tão distorcidos! Mas todo extremismo provoca danos: por melhor que seja a intenção deste pai, a inabilidade social e déficit emocionais das crianças e jovens são destaques na trama. Não há possibilidade de se criar um 'paraíso' fugindo da convivência e adaptação do mundo que vivemos. Como bem representado na imagem da esposa e mãe falecida, o sistema nos adoece em todos os níveis, mas fugir dele também não traz a cura. Num olhar simbólico do filme, faço o recorte que estamos sempre a caminho da individuação. O isolamento do ego (o pai radical) que se protege dos conteúdos da sombra, do inconsciente pessoal e coletivo (a sociedade inadequada) não favorece o contato com o Self; não há movimento progressivo e criativo da energia psíquica (uma das imagens dos filhos e filhas). Quando situações extremas de alta carga afetiva acontecem, os complexos constelam e a ruptura da defesa egoica é inevitável. Ao reconhecer e abrir mão de seu radicalismo, sem perder seus valores fundamentais, a função transcendente atua e mudanças significativas acontecem em Ben, reverberando em toda dinâmica da família. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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MEU BOLO FAVORITO (2024) 'Meu Bolo Favorito' é um filme iraniano de 2024, que de maneira poética faz uma crítica político social sobre o severo regime vivido no Irã, pós revolução de 1979. Um regime que viola absurdamente os Direitos Humanos. Vale aqui, destacar a seguinte informação: a diretora Maryam Moghadam contou que esta cena estava escrita antes do brutal assassinato da jovem Mahsa Amini, 2022 - que virou símbolo de revolta e pedido de liberdade pelas mulheres iranianas. A morte de Mahsa Amini desencadeou uma onda de protestos no Irã e em outros países, com manifestantes exigindo justiça e o fim das leis obrigatórias sobre o uso do hejab. O movimento resultante ficou conhecido pelo lema "Mulher, Vida, Liberdade", tornando-se um símbolo da luta pelos direitos das mulheres e contra a repressão no Irã. Este filme é uma belíssima obra onde uma mulher de 70 anos (Mahin), viúva, enfermeira aposentada, busca vencer a solidão com a ousadia de reavivar sua vida amorosa. Vai para a rua, enfrenta a 'Polícia da Moralidade', salva a vida de uma jovem sendo presa por usar o hejab, inadequadamente. Logo após, Mahin encontra Faramarz num restaurante e, a partir daí, investe num encontro com ele, que é correspondido com muita sensibilidade e disponibilidade! Um encontro que deságua toda sua potência amorosa: Faramarz traz de volta a luz que há tempos faltava no jardim de Mahin. Mahin, resgata o desejo de entrega e alegria, há tempos não vivido por Faramarz. Pessoas que viviam suas respectivas solidões, mas com grande capacidade e vontade de compartilhar amores e desejos. Um casal que viveu regimes políticos mais democráticos na juventude, por isso, desfrutaram de mais liberdade. O casal de diretores de 'Meu Bolo Favorito', Maryam Moghadam e Bethash Sanaeeha, foi censurado e recebeu acusações criminais por desrespeitar o regime iraniano. O casal de atores, Farhadpour e Esmail Mehrabi, também sofreu represálias e foi banido de seus trabalhos. Qual crime, cometeram? Apresentaram ao mundo esta belíssima obra que busca expressar a beleza e a potência do amor, tão censurada pelo regime iraniano. No contorno da relação amorosa, faço a leitura que Faramarz - este homem tão disposto, aberto, sensível e entregue é a personificação do masculino em sua natureza, sem o atravessamento machista que envolve o patriarcado. A cena onde Faramarz está fazendo xixi sentado no banheiro é, para mim, um detalhe preciosíssimo, que almas sensíveis vão captando ao longo da produção! Este filme foi acusado como criminoso, também, por mostrar uma mulher dançando, maquiada, sem hejab, bebendo e se divertindo junto a um homem em sua própria casa. Acusação típica dos regimes extremistas, compostos por fanatismo religioso, moralismo, conservadorismo e a consequente opressão. Um filme que ilustra muito bem que toda submissão ao patriarcado e suas imposições machistas, desencadeia um arranjo que mata a liberdade, mata o prazer, mata a sensibilidade, mata a alegria, mata a arte, mata a beleza, mata a esperança, mata as relações, mata a mulher, mata o homem. Como chamar isso de vida? Este é um filme lindo, necessário, corajoso, resistente e com tantas outras ampliações! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

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BOA SORTE, LEO GRANDE (2022) Este filme traz Emma Thompson (Nancy) e Daryl McCormack (Leo) numa sensível e delicada trama que aborda temáticas importantes sobre relações amorosas, conjugalidade, sexualidade, etarismo e complexo materno, apresentados entre encontros e desencontros entre as intimidades dos protagonistas. Nesta postagem, destaco a temática da sexualidade das mulheres, principalmente as que vivem a submissão patriarcal em arranjos conjugais heteronormativos/monogâmicos. Escolhi 5 cenas/diálogos que ilustram a beleza do filme e revelam o quão importante é naturalizar a temática do sexo em nossa sociedade. Nancy é viúva, professora aposentada de ensino religioso, teve com o falecido marido, o único relacionamento e parceiro sexual e nunca teve um orgasmo. Uma mulher insegura, sem autoestima, que denuncia a realidade de muitas mulheres da nossa sociedade. Nancy busca, através do encontro com Leo, um resgate de Si, a partir de uma sexualidade que lhe permita experiências transgressoras do que é viver o sexo no arranjo acima descrito. A sexualidade no arranjo patriarcal é tudo, menos liberta e criativa. Compreendo que se vive o ato sexual, mas não a sexualidade. Esta é julgada, proibida, objetificada e violentada de tantas formas. O quão distante o casal fica da intimidade, o quão seca, infértil, distante é esta relação! E sexualidade é, justamente, o que lubrifica as dinâmicas geradoras da nossa vida! Não coloquei na postagem, mas Leo se apresenta dionisiacamente numa cena em que exala o prazer que sente ao estar com uma mulher, descobrindo-se mutuamente. Viver a profundidade e a riqueza da sexualidade ultrapassa as camadas rasas da idade, estética, condição social e todas limitações típicas de um sistema capitalista/conservador. Uma cena profunda, bela e excitante que apresenta um princípio masculino desamarrado das armaduras machistas, com a natureza complementar que lhe cabe. O filme apresenta a relação de uma mulher em fases da vida, pós menopausa, mas esta realidade sexual é vivida, ainda, por muitas mulheres, de todas idades Cada diálogo deste filme tem seu tesouro! Para quem gosta de mergulhar, é uma excelente indicação! Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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REFORMATÓRIO NICKEL (2024) 'O Reformatório Nickel' me foi apresentado e empolgada com "Ainda Estou Aqui", confesso que ignorei-o (assim como o Oscar, de maneira geral, também o fez). Filme necessário e difícil: ao assisti-lo, compreende-se a dureza e necessidade de valorizar este filme que chega com um soco no estômago, escancarando o complexo racial da sociedade, a brutalidade do racismo e seu impacto em cada vida negra. Se tivesse ganhado, seria muito justo! O diretor RaMell Ross provoca uma identificação ao trazer uma fotografia única, uma narrativa que transita por diferentes perspectivas, deixando-nos vestir a pele dos personagens, em alguns momentos. Uma experiência dura e, como mulher branca, impossível de afirmar que compreendo o que passam as pessoas negras, porque não posso! A minha identificação é com a dor da violência e com a revolta pela atrocidade cometida pela parte desumana da sociedade. A história é baseada no livro homônimo de C Whitehead, com fatos ocorridos num grande reformatório para meninos que, realmente, funcionou até 2011; no filme, a trama ocorre na década de 60, em meio às lutas pelos direitos civis dos estadunidenses, incluindo o ativismo de Martin Luther King Jr. A cumplicidade entre Elwood - jovem idealista e otimista, enviado injustamente para o reformatório - Turner, o mais realista e estrategista, juntamente à dedicação e amorosidade da avó de Elwood, faz com que emoções diversas sejam sentidas à flor da pele. Assisto ao filme, na semana em que o governo Trump considera a possibilidade de perdão judicial ao policial que matou, covardemente, George Floyd, em 2020. Reflito que, atravessamos décadas, séculos, milênios e o que podemos afirmar sobre a consciência humana?Coletivamente, a Sombra cultural é denunciada como grande problema social, onde os complexos raciais se estendem, também, aos fenômenos psíquicos e simbólicos. Individualmente, o reconhecimento de uma identidade racial, traz maior compreensão e adequação da postura do indivíduo em seu contexto social, tornando-o, assim, agentes de transformação. Uma conduta urgente de ser assumida. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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DIAS PERFEITOS (2023) Dias Perfeitos é um filme de 2023, coproduzido entre Alemanha e Japão e une a profunda sensibilidade do diretor alemão Wim Wenders com a atuação, também profunda e sensível do ator japonês Koji Yakusho. A narrativa baseada na rotina bem marcada de Hirayama é um convite de reflexão à vida! Na camada mais superficial, se evidencia a crítica social do consumo e pessoas perdidas em seus valores capitalistas, distantes das relações afetivas, incluindo a individualidade. Mas, através do silêncio das palavras, se escuta o som das expressões que o filme oferece, revelando camadas mais profundas! Hirayama é um homem simples, que se dedica a limpar, com esmero, os banheiros públicos de Tokio; cuida de cada detalhe, minuciosamente! A rotina aparentemente banal, sem perspectiva, se desdobra além da visão julgadora da sociedade atropelada e somatizada nos transtornos ansiosos e depressivos. Hirayama, não acompanha o ritmo da grande metrópole! Seu interesse não está no 'ter', está nos afetos, na contemplação, na subjetividade. Seus interesses envolvem música (das fitas cassetes), literatura (livros de sebos) e cultivo de plantas (mudas retiradas da praça pública). Essa costura é apresentada pelas sugestões precisas que o diretor Wim Wenders apresenta nas músicas e livros significativos, como por ex., "Palmeira Selvagens", de Faulkner ( este autor aborda sobre o sentido do viver, tão perdido na atualidade!) Hirayama e sua máquina fotográfica analógica, retratam diariamente a mesma árvore, numa dança de Luz e Sombra da Natureza! Luz e Sombra que também se manifestam em seus sonhos (compreendi como representações da sombra coletiva que nega o olhar para os sentidos reais do estar vivo). Assim, Hirayama se apresenta como um pacificador, alguém que não se atola ou alimenta conflitos, pois, de alguma forma, está sempre lidando com a Sombra (ele limpa os banheiros e toma banho detalhadamente!). Esse jogo de Luz e Sombra, além de ser apresentado nas fotos, sonhos, aparece tb na cena que compartilhei: um dos poucos diálogos do filme, mas de profunda reflexão! Enfim, um filme que cabe tantas outros olhares e afetos, que não cabem num post! Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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FONTE DA VIDA (2006) Fonte da Vida, protagonizado por Izzi (Rachel Weisz) e Tommy (Hugh Jackman), escrito e dirigido pelo excelente Darren Aronofsky, aborda de maneira prioritariamente simbólica a relação da consciência do Eu com a consciência Maior que nos rege, nesta dualidade vida/morte, materialidade/espiritualidade, consciente/inconsciente que o ser humano experencia ao longo de sua jornada. O símbolo da 'Árvore da Vida', presente em tantas culturas, representante da ligação entre o terrestre e o divino, se destaca no filme, pelo viés da Árvore da Vida descrita em Gênesis - uma das duas árvores colocadas por Deus no Jardim do Éden, sendo esta a que carrega a promessa de vida eterna. A temática da morte e a tentativa de cura para ela é a costura do filme, que transita por inúmeras imagens e simbolismos que ilustram as diferentes dimensões da consciência que é possível acessar, quando o indivíduo não se limita à consciência do Eu. Elementos psicodélicos/enteógenos, alquímicos, místicos, religiosos, meditativos, ancestrais compõe a trama: elementos conhecidos pelos que buscam a relação do Eu com o Sagrado/Divino, através de vivências que transcendem a realidade do ego. Não por um acaso, Jung acessou todas essas fontes para compor o que se compreende por psicologia profunda. O filme desenvolve essa temática da vida eterna, que faz ressonância com a ideia de catábase proposta pelas culturas ancestrais e integrada por Jung à psicologia analítica. O acesso ao 'mundo dos mortos' que Jung descreveu em seus diários e posteriormente publicado como o Livro Vermelho. No filme, o casal protagonista pode também ser compreendido como a essa personificação racionalista, materialista e resolutiva, vivida por Tommy (o princípio masculino) se contrapondo à transcendência de Izzi (o princípio feminino), uma bela representação de Pistis Sophia - a representação da Sabedoria da Fé, na visão dos gnósticos, considerado os hereges do cristianismo. Em essência: aquele que não encontra a sabedoria divina em Si, não será capaz de se compreender enquanto Totalidade. Um filme desafiador para a racionalidade, mas encantador para quem se identifica com a linguagem profunda da alma. Até a próxima! Karina Lopes Cabral

CANINA (2024) O filme "Canina" é um drama psicológico sensacional, intensamente necessário para se denunciar o peso da maternidade na sociedade conservadora. A protagonista, interpretada por Amy Adams, é uma artista que vive a rotina da típica familia tradicional: abriu mão do trabalho - e de si - quando se tornou mãe. Considero as cenas propositalmente exaustivas, como forma de ilustrar o peso que a mulher carrega neste arranjo e o quanto esta situação é transgeracional, envolvendo os contextos básicos de toda família conservadora: valores morais religiosos e a redução do papel da mulher a uma mãe infinitamente boa e dona de casa. O filme desenvolve muito bem a narrativa de uma mulher que vai negando, racionalmente, sua natureza, se anulando, forçosamente, em nome da maternidade. Ao mesmo tempo - e aí está a beleza do filme - mostra o lado selvagem (e negado) da protagonista.E, como bem trabalha a psicologia analitica: tudo o que é negado pela racionalidade, se transforma em sintomas, uma vez que as dinâmicas do Self (Si Mesmo), envolvem impulsionamentos para o desenvolvimento do indivíduo, independentemente, das tentativas de controle do Ego. Esse arranjo é apresentado no filme, na transformação da protagonista em cachorro: ou seja, de alguma forma, a natureza selvagem e feminina desta mulher, que abriu mão de si, para ser a ótima mãe, esposa e dona de casa, precisa aparecer! A protagonista vai estranhando as modificações no corpo, mas está longe de perceber a potência do seu inconsciente alertando-a de seu movimento contra-natura. Até que, finalmente, ela começa a buscar explicações cientificas para sua situação e, como não poderia deixar de ser, este estudo precisa vir com o que é considerado metafísico, para poder ser compreendido. Além disso, ela mergulha em explicações míticas como forma de aproximar-se desta condição zoomórfica. A partir daí, percebe-se costura simbólica com a ancestralidade feminina nesta jornada de individuação e respeito à maternidade e o resgate com o prazer em se reconhecer na maternidade! Excelente filme! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

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CONCLAVE (2024) 'Conclave', filme indicado em 8 categorias do Oscar 2025, traz a riquíssima oportunidade de um olhar crítico à estrutura patriarcal que domina as religiões. O filme traz os bastidores da igreja, na escolha de um novo Papa, mas o recado se aplica a todas as religiões que se apegam ao patriarcado como forma de controle e absolutismo. Sendo o Papa, a liderança espiritual mais expressiva no Ocidente, é referência suprema de fé, moral e também, governo, uma vez que o papado não deixa de ser um cargo político. A maravilhosa provocação de 'Conclave' chega a mim como a necessidade de renovação dos pensamentos religiosos arcaicos, conservadores e paralisantes. Deus não é estatico; é a Natureza em movimento! Ralph Fiennes, representa o decano Lawrence que tem a difícil missão de liderar o Conclave. Logo de início ele explicita um pensamento provocativo em relação às certezas que são impostas como verdade absoluta dentro das religiões patriarcais: Ele diz algo do tipo: "Se houvesse certeza, não haveria mistério e sem mistério não há a necessidade de Fé". Essa é uma fala inaugural de tantas outras estimulações que o filme traz, evidenciando o fato de que se o olhar para Deus estiver aliado à política e à disputa de Poder, não há verdade no Sacerdócio. Como provocação político-social, o filme também revela a potência da minoria oprimida e marginalizada em toda sociedade conservadora. E, brilhantemente, é, também, inserida a imagem do princípio Feminino como condição fundamental para se estabelecer uma relação com o Divino e com os valores Espirituais, respeitando e reconhecendo, antes de tudo, o valor da Individualidade. A transformação antes de ser coletiva, é individual! Na linguagem da Psicologia Analítica, costuro o filme com a necessidade de individuação, pois é através do reconhecimento de nossa Totalidade, que temos condições de desconstruir o imperialismo imposto por uma regência patriarcal que distancia o indivíduo de Si, não permitindo a liberdade de ser quem se É e, consequentemente, criando falsas certezas que anula a identidade de cada ser humano e suas potências criativas e divinas. Deixo aqui, esta ótima indicação! Até a próxima, Karina Lopes Cabral

ANATOMIA DE UMA QUEDA (2023) "Anatomia de uma Queda" é um premiado filme francês, incluindo o Oscar de 2024, por melhor roteiro original, com destaque para atuação de Sandra Hüller, no papel de Sandra, uma autora de livros de autoficção. No filme, Samuel, marido de Sandra é encontrado morto pelo filho do casal, Daniel, e fica a dúvida: Samuel cometeu suicídio ou foi morto pela esposa? Sandra é indiciada e a trama acontece em torno do julgamento da protagonista. O recorte que trago aqui, é sobre a dimensão das relações conjugais e familiares, com suas ambiguidades. O filme, muito bem escrito, destaca a tensão e coloca em dúvida o que, de fato, aconteceu. Dentro de uma relação conjugal, não cabe verdade absoluta para nenhum dos lados, pois toda troca envolve verdades individuais e projeções de sombras e esta dinâmica é muito bem articulada na trama. Porém, a cena destacada no vídeo (postado no Instagram, dia 12/01/25) me revela uma grande virada no filme, pois a partir do momento que Sandra 'devolve' as projeções ao marido e não permite que ele a responsabilize por aquilo que não é dela e nem do filho, a empatia por ela e suas escolhas, me pareceram mais evidentes. E, ainda, numa perspectiva subjetiva, compreendo que Judite Triet (roteirista e diretora do filme) realçou, de maneira belíssima, sem ofuscar a temática principal, a opressão do feminino vivido na sociedade! Esta percepção vem em detalhes do julgamento de Sandra: a troca do juiz por uma juíza, apontamentos sobre misoginia e sexismo destacados pelo advogado de defesa contra a severidade e opressão dos argumentos do advogado de acusação. Importante destacar, também, a pesada e triste constatação do fardo que as crianças carregam nas relações desajustadas. No filme, Daniel é uma grande referência sobre as projeções, traumas, conflitos e dores que as crianças sofrem nestes arranjos. E é, justamente, esta projeção que Sandra devolve, assertivamente, para Samuel, não aceitando que ele se coloque no papel de vítima. O filme deixa claro que o casal é responsável pelo desajuste conjugal e familiar, mas, quando Sandra não permite carregar um peso que não é seu, a tensão afrouxou e colaborou para a escolha subjetiva, sobre o que aconteceu na morte de Samuel. Fica aqui, a sugestão deste ótimo filme! Até a próxima! Karina Lopes Cabral

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O URSO (2022) "O Urso" é uma série dramática, desafiadora, com profundos elementos para quem gosta de mergulhar na complexidade humana. Apresenta uma ótima produção e elenco, além de uma trilha sonora de muuuito bom gosto! Diversos temas são abordados e uma costura caótica começa a ser apresentada desde o primeiro capítulo. Cenas claustrofóbicas vão se desenrolando a partir do personagem Carmen - um renomado chef de cozinha que herda o precário restaurante do falecido irmão - e busca lidar com o luto, pressão, cobranças, vínculos e está inserido numa estrutura familiar extremamente desarranjada. Uma perspectiva de leitura simbólica da série, pode ser feita a partir do cenário principal: a cozinha - um espaço alquímico que representa transformação, criação, desenvolvimento, descoberta, união. (Destaque para a fotografia da série apresenta esse processo, lindamente!) Todos os dramas e conflitos que acontecem neste espaço, fazem ressonância com o mundo particular de Carmen, que ainda indiscriminado em sua relação Ego - Self (Si-Mesmo), vive o caos de maneira visceral e inevitavelmente sofre de severas crises de ansiedade, compulsão, dependências, uma vulnerabilidade imensa e busca compensar em sua postura rigidamente racional, alguma estrutura, mas, obviamente, falha com sucesso! São temáticas pulverizadas nos demais personagens, destacando Sydney, a talentosa jovem que busca ser uma grande chef e se torna parceira de Carmen. Pode-se compreender Sydney como parte da Anima, a contraparte feminina de Carmen, que revela melhor os sintomas que Carmen resiste em reconhecer. São tantas possibilidades de mergulho nessa série e tantos símbolos, mas, em essência, destaco uma imagem macro do processo de individuação: um olhar pra Si, a partir dos enfretamentos necessários com os vínculos, a começar com a base primária: a familiar. Quanto é herdado de culpa e julgamento, quando se buscar ser quem se É. A Individualidade ainda é vista como pecado em arranjos que valorizam a insdiscriminação de personalidade. O caos particular que se enfrenta e o sacrifício que se faz para se libertar exige coragem, rede de apoio e muita transgressão da alma. Até a próxima, Karina Lopes Cabral

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